Pouco
antes de falecer, descontente, adoentado e à beira da destituição, do teto dos
Cárpatos, na estância invernal de Zakopone, Karol Szymanowski (1882-1937) escrevia
que o oficialismo polaco nada queria saber de si: “Posso morrer sem que ninguém
mexa uma palha. Mas já o meu funeral vai ser muito diferente. Estou convencido
que vai ser esplêndido.” Tinha obviamente razão, conquanto cingisse o
presumível aparato exequial a fins propagandísticos. Afinal, havia passado os derradeiros
anos da sua vida a sufocar sob a redoma do amor pátrio, infetado por melancolia
e bucolismo, louvando a lavoura e o lavor de uma remoçada nação. Ele, que na
juventude tinha denunciado sem clemência a peculiar estirpe de patriotismo desenvolvida
por predecessores seus, como Paderewski, e, de modo singular, logo a partir de
1919, questionado o posicionamento da Polónia face a distintos modelos
culturais europeus. Talvez por isso, com frequência, se deslustre a evocação da
sua figura através das nódoas da insegurança e da incoerência, como se todas as
encruzilhadas de um período tão fértil em contradições tivessem subitamente
adquirido domicílio na sua obra. Mas se alguma coisa prova a leitura de “Polish
Music since Szymanowski”, de Adrian Thomas, é que o compositor teve que suportar
a terrível coincidência histórica de partilhar com o seu país uma contínua
crise de identidade. Nessa medida esta generosa integral das suas peças para
violino e piano, por Bruno Monteiro e João Paulo Santos, é de uma fidelidade
notável, identificando rigorosamente as inconfundíveis fases romântica,
simbolista e nacionalista, mantendo a linearidade quando a música o exige,
sucumbindo ao feitiço da cor quando ela a tanto obriga, tornando o som
alegórico quando nada mais que a ingenuidade o parece temperar. E, ao mesmo
tempo, deixam os intérpretes tentar-se pela transcendência, esquivando-se ao
contexto, renunciando à ideologia, enlaçando a sensualidade. É nesses instantes
que surge aqui um Szymanowski definitivo.
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