Há uma nota no livreto da edição a explicar o
conceito acústico que René Jacobs quis agora introduzir: junto a si, está o
Evangelista (Güra, particularmente prosélito e a curta distância da
impudência do teatro); bem à sua frente, uma substancial secção de continuo, com alaúde, gamba, violoncelo,
contrabaixo, címbalo e órgão como num peito está o coração; à sua esquerda, os
sopros e só depois as cordas; à sua direita, na mesma proporção das forças
orquestrais, o que antigamente se apelidaria por Favoritchor, 16 vozes somadas às dos quatro solistas de cada arieta
e aria parlante (uma harmonia entre a
parte e o todo de que o próprio J. S. Bach falou), embora o maestro desfaça a
solenidade recitativa; por fim, nas suas costas, outra massa coral, esta sim capaz
de representar uma assembleia de fiéis, já que o dramatis personae da Paixão (Cristo, Pilatos, Pedro) surge interpretado
por Weisser, Kohlhepp e Schachtner, só ligeiramente
sacrificando as respetivas subjetividades tímbricas.
Pelo esquema cruciforme, logo se entende que ganha esta gravação em clareza, ligeireza e candura o que dispensa em densidade, profundidade e mistério. Não obstante de nada disso se sentir a falta, outra conclusão se impõe ainda: a de que Jacobs sabe que há uma versão da “Paixão segundo São João” mais pietista e outra mais retórica. Aqui permite o acesso a ambas, explorando as camadas de sedimentos que testemunham o labor de Bach e as sucessivas revisões da obra entre 1724 e 1749. Uma foi a introdução de um episódio ausente deste evangelho: o do arrependimento de Pedro. Mas mais significativo é que vai distinguindo as vozes da turba das do coro, sugerindo que não foi o povo, mas antes quem o representava, a condenar Jesus. Um momento decisivo? O do ‘Betrachte, meine Seel’ (Weisser), com um par de viola d’amore e alaúde obbligato e aquele neologismo capaz de encerrar todos os paradoxos: Himmelschlüsselblumen, o desabrochar da flor que abre as portas do céu e fecha as do inferno.
Pelo esquema cruciforme, logo se entende que ganha esta gravação em clareza, ligeireza e candura o que dispensa em densidade, profundidade e mistério. Não obstante de nada disso se sentir a falta, outra conclusão se impõe ainda: a de que Jacobs sabe que há uma versão da “Paixão segundo São João” mais pietista e outra mais retórica. Aqui permite o acesso a ambas, explorando as camadas de sedimentos que testemunham o labor de Bach e as sucessivas revisões da obra entre 1724 e 1749. Uma foi a introdução de um episódio ausente deste evangelho: o do arrependimento de Pedro. Mas mais significativo é que vai distinguindo as vozes da turba das do coro, sugerindo que não foi o povo, mas antes quem o representava, a condenar Jesus. Um momento decisivo? O do ‘Betrachte, meine Seel’ (Weisser), com um par de viola d’amore e alaúde obbligato e aquele neologismo capaz de encerrar todos os paradoxos: Himmelschlüsselblumen, o desabrochar da flor que abre as portas do céu e fecha as do inferno.
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