No livreto, numa prosa algo
mastigada pela ansiedade, Mickael Viegas logo diz ao que vem: “Este projeto
teve como principal conceito a partilha de uma nova perspetiva da obra [de
Villa-Lobos], que consiste na adição de todo um possível material melódico e
harmónico (…) que o compositor tenha retirado ou alterado.” Como causa única
para tamanha incompletude apontam-se “as limitações inerentes” à guitarra
clássica. Mickael, então, por ter tornado redimíveis tantas dessas “notas
impossíveis de tocar num só instrumento”, procedeu à “elaboração de várias
orquestrações sobre algumas das obras” (“arranjos inteiramente inspirados na
obra manuscrita do compositor”, adianta), que, de seguida, registou com recurso
à sobreposição de “uma ou mais” pistas de guitarra. E vem desse estímulo o
subtítulo deste seu CD: “The Prospect of a Future Guitar”. Porque segundo o
guitarrista há muito radicado em Portugal e atual docente na Escola
Profissional Metropolitana, em Lisboa, “este método de gravação oferece ao
ouvinte a perceção de que o som emitido provém de apenas um instrumento, neste
caso, de uma guitarra do futuro (…) com capacidades ainda inexistentes na
guitarra dos nossos dias.”
O resultado traz à memória a guitarra enquanto ícone das artes visuais, elemento recorrente do cubismo via Picasso ou Gris, súbita e inesperadamente tridimensional, retrato de um ato de restauro que se confundia com o da rasura e se expandia em proporções geométricas tanto pelo campo da mente quanto pelo da visão. É também um Villa-Lobos como jamais se ouviu o que agora se propõe. Mas, e isso seria já pedir demais, não deixa de ser o mesmo Villa-Lobos de alma dividida de sempre aquele que se invoca. Não obstante, principalmente nos “12 Estudos”, nunca se deixa de sentir que Mickael crê na utopia que vem fundar. Aliás, escutam-se os “5 Prelúdios” e mais cedo se reconhece um exercício de responsabilidade perante o presente do que um rastro de afetos passados. É que esta integral permite que se redescubra a dimensão dramática e a força narrativa destas peças, mais que as suas vulgaridades sentimentais, sem que venham ao de cima as muitas nostalgias que possuem e que outros executantes talvez não tivessem deixado sepultadas. Como um Villa-Lobos sob os efeitos de uma extemporânea lucidez, aqui o mais sedutor é também o mais insidioso: borrando as linhas entre o circunstancial e o permanente, a colocação da exigência interpretativa acima das condições mais elementares da experiência do solista.
O resultado traz à memória a guitarra enquanto ícone das artes visuais, elemento recorrente do cubismo via Picasso ou Gris, súbita e inesperadamente tridimensional, retrato de um ato de restauro que se confundia com o da rasura e se expandia em proporções geométricas tanto pelo campo da mente quanto pelo da visão. É também um Villa-Lobos como jamais se ouviu o que agora se propõe. Mas, e isso seria já pedir demais, não deixa de ser o mesmo Villa-Lobos de alma dividida de sempre aquele que se invoca. Não obstante, principalmente nos “12 Estudos”, nunca se deixa de sentir que Mickael crê na utopia que vem fundar. Aliás, escutam-se os “5 Prelúdios” e mais cedo se reconhece um exercício de responsabilidade perante o presente do que um rastro de afetos passados. É que esta integral permite que se redescubra a dimensão dramática e a força narrativa destas peças, mais que as suas vulgaridades sentimentais, sem que venham ao de cima as muitas nostalgias que possuem e que outros executantes talvez não tivessem deixado sepultadas. Como um Villa-Lobos sob os efeitos de uma extemporânea lucidez, aqui o mais sedutor é também o mais insidioso: borrando as linhas entre o circunstancial e o permanente, a colocação da exigência interpretativa acima das condições mais elementares da experiência do solista.
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