Em Praga, na praça Venceslau, a 16 de
janeiro de 1969, quando se imolou Jan Palach ficou no ar a ideia de que a primavera
morreria consigo. “E a verdade é que as coisas nunca mais foram as mesmas”, lembrava
o pianista Karel Ruzicka há cerca de vinte anos, na mesma cidade, em conversa no
clube de jazz Reduta. Cerrava os olhos pela ulcerada memória mas a verdade é
que se deixava reanimar pelas transformações comportamentais que na capital
checa decorriam desde a deposição do regime comunista. “No final da década de
60 chegámos a ter a liberdade mesmo à mão de semear. E isso percebia-se pelo que
tocávamos. Aliás, quem quiser ter uma noção do significado exato da Primavera
de Praga só tem de escutar os LP do período. Está lá tudo: o inconformismo, a
esperança, a coragem, muita falta de vergonha na cara! Hoje essas coisas
voltaram. Mas falta-lhes a música.” Perguntei-lhe por esses discos. “Olhe, nós
podemos ter feito uma Revolução de Veludo, mas não se esqueça que a cortina era
de ferro. Desapareceu tudo!” Como é óbvio, a frase ficou-me. Pelo menos tanto
quanto a vontade de saber ao certo do que é que Ruzicka falava. É sobre isso
que se tem paulatinamente levantado o véu, desde 2009, graças às compilações
que Lukás Machata organiza para a Vampisoul e para a Munster (consagradas a
Marta Kubisova, a Emil Viklicky, aos The Plastic People of the Universe, aos
The Matadors ou aos Olympic), esse mundo há muito oculto de que este “Czech Up!”
permite, enfim, uma visão panorâmica e mais abrangente, revelando verdadeiros
achados, como são os de Flamingo, Discobolos, Golden Kids, Václav Tyfa e
Mahagon. Ruzicka surge em dois temas: com a orquestra de Ferdinand Havlík, em
66, e com os Jazz Cellula, em 76. Com os primeiros faz o retrato de uma presa,
com os segundos de um predador. Sinais do tempo.
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