Nada fácil de rastrear, a discografia de Evan Parker lembra a descoberta
dos fractais, quando se dava conta que a geometria clássica ficava aquém de descrever
a totalidade de ocorrências dos objetos matemáticos. Ao lado de pianistas – de Borah
Bergman e Stan Tracey a Matthew Shipp e Sylvie Courvoisier – gravou duas mãos-cheias
de álbuns, e, embora igualmente irresistível, a verdade é que se torna difícil,
para não dizer arriscado, comparar o seu comportamento nesse caso com a sua
execução quando permanece desacompanhado ou com aquilo que faz sempre que toca
em trio (com Barry Guy e Paul Lytton e com Alexander von Schlippenbach e Paul
Lovens) ou, até, com o que torna efetivo no seio do seu Electro-Acoustic
Ensemble. É como se o reconhecimento da sua coerência, quase inevitável e, dado
o caráter ad hoc de muitas das situações em que se acha, frequente causa de
espanto, fosse um longo desafio à razão. Mas, nem que seja no plano metafórico (e
não obstante David Borgo, em “Sync or Swarm: Improvising Music in a Complex
Age”, se ter dedicado, justamente, à análise fractal dos seus solos), trata-se de
uma figura armadilhada. Aliás, quem recordar a alocução que, no Jazz em Agosto
de 2006, em Lisboa, o saxofonista consagrou a Coltrane, lembrar-se-á de uma frase
que pronunciou quando se deixou ir por um atalho e se pôs serenamente a contemplar
a abóbada do esoterismo: “Tenho o maior respeito pela complexidade de todas as
coisas. E, para mim, o que sustém o universo é uma sucessão de milagres. Se
estão familiarizados com fractais, sabem dos prodígios que nos rodeiam, daquilo
que mantém esta mesa no sítio ao que determina a posição do nosso planeta em
relação ao sol. [Sabem] que tudo está vivo.” Como outro qualquer, e nunca sendo
menos que um fluxo de revelações, é um lastro de que a sua música não se solta
em definitivo na sua busca de libertação total.
Não será, então, de admirar que, em Londres, onde reside, tenha
encontrado refúgio (a palavra é sua) numa sala chamada Vortex – por sinal,
quinta-feira que vem, o local que acolherá a festa de lançamento de “Leaps in
Leicester”. E o que se espera, aí, é o prolongamento daquilo que o CD tão bem
ilustra, e que Parker apontou como uma das razões para o êxito da improvisação
coletiva ao fundar uma editora que batizou de psi: a manifestação dos “entendimentos
intuitivos e telepáticos que se estabelecem entre instrumentistas”. É o que, mais
uma vez, aqui se verifica, à partida de forma circunstancial, depois incremental
e por fim avassaladora, no momento em que as ideias de Parker e Hawkins
espreitam umas por cima das outras, se alternam e lutam entre si, se
interrompem e confundem. O primeiro com 72 anos, o segundo com 35, parecem dois
bailarinos a dançar capoeira, capazes de antecipar qualquer movimento ainda que,
a cada instante, não abdiquem do espaço da individualidade nem obedeçam à
coreografia de mais ninguém.
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