Recorde-se o que escrevia Zev Feldman, produtor dos
títulos da Resonance, na altura em que apresentava “Manhattan Stories”, de
Charles Lloyd: “Quando o George [Klabin, radialista, técnico de som e
proprietário da editora] me mostrou a gravação, apercebi-me que se tratava de
um histórico documento que tinha de ser publicado.” Entretanto, ao redigir a
introdução para “In Paris”, de Larry Young, concentrava em si mesmo as atenções
do seu auditório: “Sinto-me afortunado em poder vasculhar os quatro cantos do
mundo em busca de música tão importante e reveladora quanto esta.” Mais
recentemente, por ocasião do lançamento de “Getz/Gilberto ‘76”, dizia: “O Todd
[Barkan, gerente do clube Keystone Korner, palco do registo ao vivo que tinha
em mãos] demorou um par de anos a partilhar connosco um dos seus pertences mais
cobiçados, mas, assim que o ouvi, entendi que era absolutamente extraordinário.”
Na semana passada, com a chegada às lojas de “Some Other Time”, de Bill Evans, elevava
ainda mais a fasquia e a pretensão: “Esta não é uma gravação qualquer. É um
testemunho notável, oriundo de um período pouco documentado na carreira de um ícone
do jazz. Um disco formidável, destinado a rescrever os livros de história.” Já
se percebeu: Feldman é o menino que gritava lobo das edições de arquivo. Mas,
desta vez, e ao contrário da criança da fábula, honra lhe seja feita, pois “All
My Yesterdays” é efetivamente exemplar. Ele caracteriza-o do seguinte modo:
“Estes temas ilustram a exuberância e a alegria de um grupo de músicos a tocar
pela primeira vez em conjunto frente a uma audiência e a fazer o que faziam
melhor. Todos sabiam estar a presenciar algo de verdadeiramente grandioso.” Nem
mais.
Fruto de uma arregimentação sem precedentes entre a elite dos músicos de orquestra nova-iorquinos – que, em estúdio, por intermináveis matinés, ia de Shostakovich aos arranjos que George Martin compunha para os Beatles para, à noite, e logo de seguida, se desdobrar pelos programas de Ed Sullivan, Johnny Carson ou Dick Cavett –, a formação liderada por Thad Jones (1923-1986) e Mel Lewis (1929-1990) estreava-se há 50 anos, no Village Vanguard, dando início a uma das mais ilustres páginas na história musical da cidade. Cá estão as madeiras e as palhetas em algazarra permanente (Jerome Richardson, Jerry Dodgion, Joe Farrell, Eddie Daniels e Pepper Adams), os febris metais, freneticamente a buzinar como num cortejo nupcial (Jimmy Nottingham, Snooky Young, Jimmy Owens, Bob Brookmeyer e Tom McIntosh), a secção rítmica, erguida sobre a mais indisfarçável excelência técnica (Thad, Mel, Hank Jones, Richard Davis e Sam Herman), e, fundamentalmente, uma escrita (de Thad) sem uma única ruga, com aqueles espessos silêncios entre as notas de cada acorde, dos quais, quase sempre, irrompia um prodigioso solista pronto a passear fora de horas por ruas cheias de montras de luzes apagadas, alheado do mundo e quiçá de si próprio. Com alguma serendipidade à mistura, Kablin tudo gravou. E aqui está.
Fruto de uma arregimentação sem precedentes entre a elite dos músicos de orquestra nova-iorquinos – que, em estúdio, por intermináveis matinés, ia de Shostakovich aos arranjos que George Martin compunha para os Beatles para, à noite, e logo de seguida, se desdobrar pelos programas de Ed Sullivan, Johnny Carson ou Dick Cavett –, a formação liderada por Thad Jones (1923-1986) e Mel Lewis (1929-1990) estreava-se há 50 anos, no Village Vanguard, dando início a uma das mais ilustres páginas na história musical da cidade. Cá estão as madeiras e as palhetas em algazarra permanente (Jerome Richardson, Jerry Dodgion, Joe Farrell, Eddie Daniels e Pepper Adams), os febris metais, freneticamente a buzinar como num cortejo nupcial (Jimmy Nottingham, Snooky Young, Jimmy Owens, Bob Brookmeyer e Tom McIntosh), a secção rítmica, erguida sobre a mais indisfarçável excelência técnica (Thad, Mel, Hank Jones, Richard Davis e Sam Herman), e, fundamentalmente, uma escrita (de Thad) sem uma única ruga, com aqueles espessos silêncios entre as notas de cada acorde, dos quais, quase sempre, irrompia um prodigioso solista pronto a passear fora de horas por ruas cheias de montras de luzes apagadas, alheado do mundo e quiçá de si próprio. Com alguma serendipidade à mistura, Kablin tudo gravou. E aqui está.
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