Serve todo o tipo de funções: de
saraus e casamentos a funerais. No IMDb, possui crédito em 130 filmes e séries,
de “Gente Vulgar” e “Atração Fatal” aos “Simpsons” e “Doctor Who”, e o seu uso divide-se
entre o anestesiante e o hilariante. Nas exéquias de Diana, era a música que se
ouvia quando a rainha-mãe entrou em Westminster. No YouTube, para o qual é
carregado ao ritmo de uma dúzia de vídeos por dia, é tocado por coros, orquestras
e quartetos, em copos de cristal, à guitarra, ao piano, à ocarina ou a cappella, em versões para prodígios
chineses, para reclusos numa prisão, para embalar bebés ou para praticar ioga.
Em qualquer andamento, sob as mais bizarras configurações, ganhou expressão emblemática
quando, em 1984, a RCA lançou um LP chamado “Pachelbel’s Greatest Hit” – assim
mesmo, no singular. Fala-se obviamente do “Cânone em Ré maior”, uma daquelas
obras, como o “Danúbio Azul” (J. Strauss), as “Quatro Estações” (Vivaldi), a “Abertura
1812” (Tchaikovsky), o “Bolero” (Ravel), a “Marcha Nupcial” (Mendelssohn) ou o
“Ave Maria” (Gounod), que colocam a existência de um compositor para sempre
entre parêntesis. Muitos, porque lamentam que vida e biografia sejam um emaranhado
de fios que se cruzam nos sítios errados ou porque se recusam a aceitar que, comparativamente,
à custa da capacidade de renovação de uma só peça, da restante obra de Johann
Pachelbel (1653-1706) nada se saiba, reduzem-na ao nível do apócrifo “Adagio”,
incorretamente atribuído a Albinoni, mas a verdade é que o alemão dava
frequentemente atenção ao lugar-comum para melhor mostrar como se ilude o
clichê. Alicerçado no “Musicalische Ergötzung”, ilustra-o este CD, que inclui uma
interpretação do famoso Cânone fumigada pelo funcionalismo e pelo qual dezenas
de miniaturas, coroadas pela fantasia e pela premonição, surgem
instantâneas e faiscantes, como a descarga elétrica que devolve a vida a um
cadáver.
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