7 de maio de 2016

Pachelbel: Un orage d’avril (Harmonia Mundi, 2016)




Serve todo o tipo de funções: de saraus e casamentos a funerais. No IMDb, possui crédito em 130 filmes e séries, de “Gente Vulgar” e “Atração Fatal” aos “Simpsons” e “Doctor Who”, e o seu uso divide-se entre o anestesiante e o hilariante. Nas exéquias de Diana, era a música que se ouvia quando a rainha-mãe entrou em Westminster. No YouTube, para o qual é carregado ao ritmo de uma dúzia de vídeos por dia, é tocado por coros, orquestras e quartetos, em copos de cristal, à guitarra, ao piano, à ocarina ou a cappella, em versões para prodígios chineses, para reclusos numa prisão, para embalar bebés ou para praticar ioga. Em qualquer andamento, sob as mais bizarras configurações, ganhou expressão emblemática quando, em 1984, a RCA lançou um LP chamado “Pachelbel’s Greatest Hit” – assim mesmo, no singular. Fala-se obviamente do “Cânone em Ré maior”, uma daquelas obras, como o “Danúbio Azul” (J. Strauss), as “Quatro Estações” (Vivaldi), a “Abertura 1812” (Tchaikovsky), o “Bolero” (Ravel), a “Marcha Nupcial” (Mendelssohn) ou o “Ave Maria” (Gounod), que colocam a existência de um compositor para sempre entre parêntesis. Muitos, porque lamentam que vida e biografia sejam um emaranhado de fios que se cruzam nos sítios errados ou porque se recusam a aceitar que, comparativamente, à custa da capacidade de renovação de uma só peça, da restante obra de Johann Pachelbel (1653-1706) nada se saiba, reduzem-na ao nível do apócrifo “Adagio”, incorretamente atribuído a Albinoni, mas a verdade é que o alemão dava frequentemente atenção ao lugar-comum para melhor mostrar como se ilude o clichê. Alicerçado no “Musicalische Ergötzung”, ilustra-o este CD, que inclui uma interpretação do famoso Cânone fumigada pelo funcionalismo e pelo qual dezenas de miniaturas, coroadas pela fantasia e pela premonição, surgem instantâneas e faiscantes, como a descarga elétrica que devolve a vida a um cadáver.

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