Era mais
um, entre dezenas de expatriados, em busca de oportunidades e, de certo modo, a
beneficiar do embrião da discriminação positiva (“[Nos EUA] Em comparação com
músicos brancos de estatuto semelhante, recebíamos menos. Na Europa era ao
contrário”, disse, em 1982, a Jon Pareles). E quando aterrou em Munique, em
finais da década de 60, uma nova geração de produtores alemães de cabelo
relativamente comprido, caso os conhecessem, tê-lo-ia recebido no aeroporto com
estes versos de Pessoa: “E ergue-te do
fundo de não-seres/ Para teu novo fado!”. Seja como for, Mal Waldron respondeu
à chamada, gravando “Free at Last” para a ECM, “The Call” para a JAPO e “Plays
the Blues” e “Black Glory” para a ENJA, os primeiros números de série de cada
uma das recém-formadas editoras da cidade. Para esta espécie de teólogos da
libertação, a sua chegada foi tão importante quanto o regresso de Roque
Santeiro a Asa Branca. E a verdade é que havia uma aura de superstição em torno
do pianista. Waldron tocava como um asceta, avesso ao virtuosismo,
introvertidamente. O seu pianismo, neste período, e, no fundo, até à sua morte,
em 2002, trazia à memória aquele lugar-comum associado à escultura, de que para
alcançar o resultado pretendido bastaria cinzelar o que estivesse a mais num
bloco de mármore. Numa entrevista de 2001 a Ted Panken recorreu a uma figura
equivalente: “Comecei com o tronco de uma árvore e fui talhando, talhando até
encontrar o palito perfeito.” Na sua discografia provou uma série de vezes ter
atingido esse grau de excelência. Relembra-o, agora, esta caixa – que propõe
completar a sua integral na Black Saint e Soul Note (“Quintets” saiu em 2012)
embora continue a deixar de fora “Remembering the Moment” (1994) – com 11 CD (a
maior parte deles sob a tutela de outros músicos, como “Six Monk’s
Compositions”, de Anthony Braxton, ou “Sometimes I’m Blue”, de Kim Parker),
entre os quais se destacam duas subestimadas obras-primas: “Sempre Amore”, com
Steve Lacy, e “Update”, a solo.
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