Um tempo
houve em que Mark Dresser dava mostras de criar contínuas variações sobre a
mesma piada: tem álbuns a que chamou “Banquet”, “Marinade” ou “Nourishments” e
temas a que deu o nome de ‘Digestivo’ ou ‘Aperitivo’. De certa forma, na aceção
do termo em culinária, não estava a fazer mais do que a levar muito à letra o
seu apelido (em inglês, dresser pode servir
para indicar o responsável pela disposição dos alimentos em pratos e travessas antes
de serem servidos, por exemplo). Semelhante impulso tê-lo-á levado a compor para
“O Gabinete do Doutor Caligari”, o clássico alemão do cinema mudo. E,
efetivamente, quando esse seu CD saiu pela Knitting Factory, em 1994, era comum
lerem-se referências aos cenários do filme (fachadas de edifícios que se
pressupunham abaladas por um sismo; oblíquas vielas, travessas e vãos de escada
parecidas com as xilogravuras de Escher; todo o tipo de ilusões de relevo e
perspetiva, etc.) para realçar o que de comum possuíam com a escrita de
Dresser. Agora, dir-se-ia atingido um desfecho particularmente catártico para
tamanho formalismo. ‘Hobby Lobby Horse’ é uma resposta à cadeia de lojas que se
recusou a pôr em prática a Lei de Proteção e Cuidado do Paciente, dita ‘Obamacare’;
‘TrumpinPutinStoopin’ é uma espécie de contradança
com dois destinatários óbvios; ‘Will Well’ é dedicada ao trombonista Roswell
Rudd, diagnosticado com cancro da próstata; ‘Newtown Char’ foi inspirada pelo tiroteio
na escola primária de Sandy Hook e pelo massacre na igreja Episcopal Metodista
Africana de Charleston, etc. E, tal como o título do disco – que emenda sentimento
para sedimento –, também a linha da frente (flauta, clarinete, violino e
trombone) destes septetos se parece formar a partir de uma vaga memória daquilo
que o jazz um dia foi. Só que até isso, como o Gregor Samsa de “A Metamorfose”
(a par de Caligari, outro nome mítico do expressionismo), como que a “despertar
de sonhos intranquilos” apenas para descobrir o pesadelo em que a realidade se
tornou.
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