Teresa
Cristina deve ter tido o impulso de baixar a cabeça ao cruzar a porta do Real
Gabinete Português de Leitura. Ou, pelo menos, como num filme de Harry Potter, desejado
que ninguém gritasse “Piertotum Locomotor” no instante em que, de soslaio, olhava
para as estátuas de Pedro Álvares Cabral, Camões, Infante Dom Henrique e Vasco
da Gama que estão de sentinela na fachada do edifício. Não tinha porque se
preocupar. Afinal, era esperada nessa casa que, online, insiste em tornar claro o quanto se orgulha de
disponibilizar “a qualquer um do povo” o seu “acervo maravilhoso”. E a verdade
é que, aí, Teresa, não obstante o nome de princesa, fazia efetivamente as vezes
de arraia-miúda ao cantar samba. Isto foi em julho de 2015, no Rio de Janeiro.
Desde então tem explicado o que realmente se passou: “Convidaram-me para cantar
cantigas portuguesas num festival literário, mas como tinha muito pouco tempo
para preparar o show sugeri um
compositor que tivesse a ver com a cultura portuguesa e a primeira pessoa que
veio na minha cabeça foi o Cartola. Ele lembra-me as cantigas de amigo”, dizia ao
“i”, por exemplo, a 6 de setembro, dia da sua primeira apresentação em Lisboa
no âmbito de uma digressão conjunta com Caetano Veloso. A referência à lírica
galaico-portuguesa não deixa de ser curiosa, motivada, quiçá, por versos como
“Todos têm o seu drama/ Só não sofre quem não ama/ Pra amenizar meu castigo, só
você, amigo” (em ‘Vai Amigo’) ou “Olhar, gostar só de longe/ Não faz ninguém chegar
perto/ E o seu pranto/ Oh, triste senhora / Vai molhar o deserto” (‘Disfarça e
Chora’). E o modelo interpretativo (voz e violão, com Carlinhos Sete Cordas) é
o do próprio (cf. ‘Acontece’, 1974), e já Ney Matogrosso dele se tinha acercado
com o mesmo rigor. Pena é que a edição documente o arranque desta iniciativa (num
concerto de 16 de novembro de 2015) em vez do seu fim, quando os nervos não
atrapalhariam a plena adesão a um dos mais sublimes vernáculos da história da
música popular brasileira.
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