A música
parece correr de si em estado líquido – com “Coding of Evidentiality”,
“Collective Effervescence” e, agora”, “Transcendental Within the Sphere
of Indivisible Remainder” a saírem na Clean Feed em pouco mais de ano e meio –
e com ela um sem-fim de inquietações, em que a maior, neste contexto, será tão antiga
quanto o “Génesis”: que trata do som essencialmente sujeito à ação dos sentidos.
Isto é, de acordo com aquele célebre postulado de Berio, que se define mais
pelas atitudes que conjuga do que por outra coisa qualquer. Nessa perspetiva,
Dre Hocevar dá mostras de privilegiar uma questão muito simples: o que se deixa
de fora quando se recorre à linguagem musical para codificar impulsos
retóricos? Trata-se de uma questão inacabada. Daí, quiçá, este título, que
parece aludir a Lacan por via de Zizek. Ou seja, esta peça do baterista e
compositor esloveno aponta para uma origem obscura, profunda, fecunda mas, no
limite, absurda. Aquela que acumula todas as tensões entre desígnio e desejo.
Tem,
portanto, muito de refractário, não obstante residir no próprio âmago da
expressão artística. Comparada com uma versão colocada no YouTube há coisa de um ano, aliás, a presente execução é mais
alarmante pela inclusão de Sam Pluta (eletrónica em tempo real e processamento
de sinais) e pela transferência de Zack Clarke do piano para o sintetizador,
pela óbvia razão que combina elementos, apesar de tudo, e independentemente das
técnicas utilizadas, mais tradicionais (a trompete de Aaron Larson Tevis,
os saxofones de Bryan Qu e Mette Rasmussen, o piano de Jeremy Corren, o
violoncelo de Lester St. Louis e o contrabaixo de Henry Fraser) com essoutros
que, aqui, são capazes de invocar o perigo potencial da “singularidade
tecnológica” de que falava von Neumann. São cerca de 50 minutos em que o
conjunto de nove instrumentos ilude mecânicas vulgares e especula sobre os
limites do cânone, da compreensão, do conhecido, da construção cultural.
Minutos intensos, intrigantes, implacáveis.
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