18 de fevereiro de 2017

Craig Taborn “Daylight Ghosts” (ECM, 2017)




Há nele uma costela exegética. Aliás, quando o assunto é música, dê-se-lhe trela que ele ganha léguas de avanço, encadeando argumentos, analisando géneros em detalhe, interpretando as minúcias disto e daquilo e conduzindo até ao fim aquelas complicadas operações do espírito de que nascem os juízos. Isto, sem abdicar da espontaneidade. Recordo-me de trocar umas palavras consigo por alturas do Jazz em Agosto de 2006, tinha ele tocado “Junk Magic”, um disco que se veio a provar menos controverso do que o que parecia e a propósito do qual se escrevia como se de um corpo que apresentasse mutações genéticas se tratasse: “Interessa-me gerar uma espécie de espaço musical a três dimensões”, dizia Craig Taborn. E discorreu acerca de camadas, contraponto, contratempo e textura ou da ação combinada de diferentes estratos. Valia-se em dado momento da geometria e comparou a sua música a um sistema axiomático. Não querendo complicar, nem ofender, referi-lhe que me agradava a maneira como combinava, digamos, som puro com melodia, andamento métrico com informação arrítmica, etc., e que acompanhar tudo o que acontecia num tema seu era como estar ao mesmo tempo em diferentes níveis de um jogo de computador. Depois mencionei a fusão de estilos associados a instrumentos acústicos e elétricos e ele olhou para mim como se tivesse estado a falar para o boneco.

Saltou-me agora este encontro à memória graças a um depoimento seu incluído no material promocional de “Daylight Ghosts”: “Como temos um longo historial de tocar uns com os outros nos mais variados contextos, [Chris Speed, Chris Lightcap e Dave King] pareceram-me as pessoas ideais para explorar de modo homogéneo este universo sonoro criado por instrumentos acústicos e eletrónicos. Em concerto passamos de um ambiente de alguma quietude, próximo do da música de câmara, a um espaço de energia estridente, próximo do da música rock. E na gravação quis derramar sobre essa paleta camerística alguma dessa energia sem por um segundo sugerir que fizéssemos algum tipo de fusão.” Cá está de novo a palavra proibida. “É que”, prossegue Taborn, “esta música tem como moeda de troca a transparência.” Certo. Se fosse uma escultura seria feita de gelo. E, sim, no disco, há em simultâneo jazz de câmara com marca de água eletroacústica, brisas melódicas levantinas, células de polimatia rítmica da Costa dos Escravos, estilhaços de ostinatos mandingas, ecos de minimalismo ou um cheirinho da ondulante escala etíope. Mas, mais do que isso, há a evocação de uma atitude comum a estas coisas todas que não pode ter origem racional e que parece antes despertar nos oráculos, nos sonhos, nos presságios. Porque o quarteto de Taborn dá corpo a fantasmas.

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