Há nele uma costela
exegética. Aliás, quando o assunto é música, dê-se-lhe trela que ele ganha léguas
de avanço, encadeando argumentos, analisando géneros em detalhe, interpretando
as minúcias disto e daquilo e conduzindo até ao fim aquelas complicadas operações
do espírito de que nascem os juízos. Isto, sem abdicar da espontaneidade.
Recordo-me de trocar umas palavras consigo por alturas do Jazz em Agosto de
2006, tinha ele tocado “Junk Magic”, um disco que se veio a provar menos controverso
do que o que parecia e a propósito do qual se escrevia como se de um corpo que
apresentasse mutações genéticas se tratasse: “Interessa-me gerar uma espécie de
espaço musical a três dimensões”, dizia Craig Taborn. E discorreu acerca de
camadas, contraponto, contratempo e textura ou da ação combinada de diferentes
estratos. Valia-se em dado momento da geometria e comparou a sua música a um sistema
axiomático. Não querendo complicar, nem ofender, referi-lhe que me agradava a
maneira como combinava, digamos, som puro com melodia, andamento métrico com
informação arrítmica, etc., e que acompanhar tudo o que acontecia num tema seu era
como estar ao mesmo tempo em diferentes níveis de um jogo de computador. Depois
mencionei a fusão de estilos associados a instrumentos acústicos e elétricos e ele
olhou para mim como se tivesse estado a falar para o boneco.
Saltou-me agora este encontro à memória graças a um
depoimento seu incluído no material promocional de “Daylight Ghosts”: “Como
temos um longo historial de tocar uns com os outros nos mais variados
contextos, [Chris Speed, Chris Lightcap e Dave King] pareceram-me as pessoas
ideais para explorar de modo homogéneo este universo sonoro criado por instrumentos
acústicos e eletrónicos. Em concerto passamos de um ambiente de alguma
quietude, próximo do da música de câmara, a um espaço de energia estridente,
próximo do da música rock. E na gravação quis derramar sobre essa paleta
camerística alguma dessa energia sem por um segundo sugerir que fizéssemos algum
tipo de fusão.” Cá está de novo a palavra proibida. “É que”, prossegue Taborn,
“esta música tem como moeda de troca a transparência.” Certo. Se fosse uma escultura
seria feita de gelo. E, sim, no disco, há em simultâneo jazz de câmara com
marca de água eletroacústica, brisas melódicas levantinas, células de polimatia
rítmica da Costa dos Escravos, estilhaços de ostinatos mandingas, ecos de minimalismo ou um cheirinho da ondulante
escala etíope. Mas, mais do que isso, há a evocação de uma atitude comum a
estas coisas todas que não pode ter origem racional e que parece antes
despertar nos oráculos, nos sonhos, nos presságios. Porque o quarteto de Taborn
dá corpo a fantasmas.
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