Em notas
de apresentação, Steve Barrow, eminente cronista, historiador e zelador da
narrativa audiovisual jamaicana, esclarece que “este repertório procede direta
ou indiretamente da música soul norte-americana dos anos 60”, não obstante, a
espaços, certos temas transitarem da condição de imigrantes a indígenas. Não
está equivocado, claro. E não há assim tanta gente a saber da poda como ele.
Afinal, em 2001, na sua Blood and Fire, coligiu a obra-prima do género: “Darker
than Blue: Soul from Jamdown 1973-1980”. Mas, já agora, convirá adiantar que
nem tudo o que aqui se escuta é derivativo. Além de que no turbilhão social da
Kingston do período emerge uma diáspora urbana capaz de assimilar modas em anos
de gato. Curiosamente, por entre tamanha vertigem, o rocksteady tratava de refrear o ímpeto do ska, permitindo, entre inúmeras outras coisas, a emancipação do
baixo na secção rítmica e a introdução na lírica de assuntos dignos de ilustrar
as dores de crescimento de uma nação que se libertava do poder paternal. Nessa
perspetiva, o Studio One, de Clement “Coxsone” Dodd, era simultaneamente
consumidor e produtor de uma nova cultura que se projetava como mundana,
moderna e em constante movimento. Ouçam-se, aqui, Alton Ellis (e a sua irmã,
Hortense), Owen Gray, Slim Smith, John Holt (a solo e com os Paragons), Larry
Marshall, Heptones, Gaylads ou Delroy Wilson que logo se entenderá o impulso
básico daqueles que convertiam estímulos exteriores em experiências pessoais, dos
que se entregavam ao licencioso prazer da construção da identidade. Ou seja,
Dodd e os seus acólitos não se limitavam a olhar com inveja para a música soul.
Estavam igualmente a fazê-la. Nem se adaptavam por mimetismo a uma realidade
importada. Participavam, isso sim, de um ato de imaginação coletivo que tinha,
ainda, a vantagem de ser idealizado para as noites de baile: passado, presente
e futuro subitamente materializados no corpo de um casal; memórias, temores e
anseios a flutuar sobre a pista de dança.
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