Pergunta
Borges: “O Aleph?”. E responde-lhe Carlos Argentino: “Sim, o lugar onde se
encontram, sem se confundirem, todos os lugares do mundo, vistos de todos os
ângulos.” Depois, muda-se a página e encontra-se uma relação de semelhança com
os querubins de Ezequiel, de olhos voltados “simultaneamente para Oriente e
Ocidente, Norte e Sul”. Será uma referência inevitável – a “O Aleph”, precisamente
–, tendo em conta o nome do ensemble
dirigido por Michel Pozmanter, sim, mas não ignorando, também, que Jorge Luis
Borges foi professor de Mauricio Kagel (1931-2008). Além do mais, claro,
unia-os a admiração pelo Hamlet que vislumbrou o universo numa casca de noz. São
coisas em que se pensa ao escutar estas oito “Peças da Rosa dos Ventos”,
compostas entre 1988 e 1994, para uma “orquestra de salão”, e cuja integral, de
certa forma, permanecia inédita (a leitura da obra pelo Schoenberg Ensemble,
dirigido por Reinbert de Leeuw, dividiu-se por um par de CD lançado com dez
anos de intervalo). Naturalmente, no que diz respeito à sua ambição, e como se
conclui no relato de Borges, “o problema principal é insolúvel: não se podia
enumerar, mesmo parcialmente, um conjunto infinito” – no caso de Kagel, toda a
música do mundo.
Mas ainda que se tenha restringido aos pontos cardeais e
colaterais, o compositor nunca deixou de sugerir que cada peça obedece a um ato
de imaginação (a propósito de “Leste” falou de uma “cosmologia privada”;
apresentando “Sul” referiu-se a uma “música folclórica livremente inventada”; de
modo crucial, refletindo sobre “Oeste”, reconheceu que estabelecer ligações
entre pureza e cultura sempre lhe pareceu “insípido, se não suspeito”). Dito de
outro modo, que a ideia de identidade é uma ficção em trânsito permanente, embora
sirva amiúde para contrariar ou reforçar noções de hegemonia cultural. Basta
ouvir “Noroeste”, em parte inspirado por música “sul-americana indígena”, que logo
salta à memória um exemplo contemporâneo: o conjunto andino que, em pleno
Rossio, toca os clássicos de “Pan Pipe Moods” junto à esplanada da Suíça. Como
Kagel teria adorado saber disto!
Sem comentários:
Enviar um comentário