25 de fevereiro de 2017

Kagel: Die Stücke Der Windrose (Evidence, 2017)


Pergunta Borges: “O Aleph?”. E responde-lhe Carlos Argentino: “Sim, o lugar onde se encontram, sem se confundirem, todos os lugares do mundo, vistos de todos os ângulos.” Depois, muda-se a página e encontra-se uma relação de semelhança com os querubins de Ezequiel, de olhos voltados “simultaneamente para Oriente e Ocidente, Norte e Sul”. Será uma referência inevitável – a “O Aleph”, precisamente –, tendo em conta o nome do ensemble dirigido por Michel Pozmanter, sim, mas não ignorando, também, que Jorge Luis Borges foi professor de Mauricio Kagel (1931-2008). Além do mais, claro, unia-os a admiração pelo Hamlet que vislumbrou o universo numa casca de noz. São coisas em que se pensa ao escutar estas oito “Peças da Rosa dos Ventos”, compostas entre 1988 e 1994, para uma “orquestra de salão”, e cuja integral, de certa forma, permanecia inédita (a leitura da obra pelo Schoenberg Ensemble, dirigido por Reinbert de Leeuw, dividiu-se por um par de CD lançado com dez anos de intervalo). Naturalmente, no que diz respeito à sua ambição, e como se conclui no relato de Borges, “o problema principal é insolúvel: não se podia enumerar, mesmo parcialmente, um conjunto infinito” – no caso de Kagel, toda a música do mundo. 

Mas ainda que se tenha restringido aos pontos cardeais e colaterais, o compositor nunca deixou de sugerir que cada peça obedece a um ato de imaginação (a propósito de “Leste” falou de uma “cosmologia privada”; apresentando “Sul” referiu-se a uma “música folclórica livremente inventada”; de modo crucial, refletindo sobre “Oeste”, reconheceu que estabelecer ligações entre pureza e cultura sempre lhe pareceu “insípido, se não suspeito”). Dito de outro modo, que a ideia de identidade é uma ficção em trânsito permanente, embora sirva amiúde para contrariar ou reforçar noções de hegemonia cultural. Basta ouvir “Noroeste”, em parte inspirado por música “sul-americana indígena”, que logo salta à memória um exemplo contemporâneo: o conjunto andino que, em pleno Rossio, toca os clássicos de “Pan Pipe Moods” junto à esplanada da Suíça. Como Kagel teria adorado saber disto!

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