25 de fevereiro de 2017

Steve Kuhn Trio “At This Time…” (Sunnyside, 2016)



Com relativa ironia, “At This Time…” chega às lojas portuguesas com quase um ano de atraso. Mas não importa muito. Basta prestar atenção às reticências. Até porque, e ao contrário de outros pianistas da sua geração (como McCoy Tyner, Herbie Hancock, Chick Corea, Stanley Cowell ou Keith Jarrett), a verdade é que Steve Kuhn nunca acusou a responsabilidade da liderança moral que por vezes vem com o jazz. Aliás, nem isso, nem aquela propensão de misturar astúcia com auspício que invariavelmente reduz os seus agentes à condição de profetas. O que não quer dizer que não saiba cruzar os conceitos, crenças, costumes ou convenções que constituem o cerne de uma cultura tão bem como os outros. Mas, nessa perspetiva, dir-se-ia mais próximo de figuras como Ran Blake ou Kenny Barron, que não dissimulam uma sensibilidade local, é certo, mas que parecem encarar cada disco como uma forma de contemplação.

Há, até, uma frase de Steve Swallow que aponta nesse sentido: “Quando toca, Kuhn lembra-me os exercícios de respiração que alguém tem de fazer quando quer atribuir um som vocal ao seu instrumento”, declara o baixista a Doug Ramsey, autor das notas de apresentação deste CD. Confrontado com uma frase do género, numa entrevista com Kuhn, há coisa de dez anos, o jornalista Ralph A. Miriello associava a técnica à prática da meditação. Mas Kuhn falava mais de pedagogia do que de fisiologia. E, de certa maneira, repetia o que a sua professora de piano, a famosa Madame Chaloff, lhe dizia nas suas lições: “O piano é um instrumento de sopro”, enquanto o mandava olhar da janela o voo das andorinhas. Hoje, basta ouvi-lo uns minutos que logo se entende o impacto que a escola russa teve na sua sonoridade. E quase se imagina quem o ensinou a explicar-lhe que, antes de mais, há que aprender a ser livre.

Por sinal, Kuhn, Swallow e Joey Baron comungam desse princípio. Tocam em trio e sem detrimento da clareza nas respetivas articulações é praticamente uma orquestra o que se ouve. Por isso nada se perde em termos de retórica na redução que aplicam a standards provenientes do palco e do grande ecrã, como ‘My Shining Hour’ (que Fred Astaire e Joan Leslie cantaram em “Bailado do Amor”), ‘Lonely Town’ (do musical “On the Town”, de Leonard Bernstein, Betty Comden e Adolph Green) e ‘This is New’ (do espetáculo com música de Kurt Weill e libreto de Ira Gerswhin). Depois há ‘All the Rest is the Same’ e ‘The Feeling Within’ (este, a solo), dois típicos originais de Kuhn, eloquentes, poéticos e prontos a evocar a música húngara que ele tanto escutava em criança (com a ênfase na primeira nota de cada frase e contínuas modulações, por exemplo). Tudo sem pôr um pé no chão, como que a voar.

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