Diz-se
“consciente de estar a entrar numa fase crepuscular”, Jordi Savall. Aos 75 anos,
tem falado de “um mundo sem rumo, em que, a cada dia que passa, o fanatismo e a
estupidez nos vão afastando dos ideais do ensino e do diálogo, da
espiritualidade e da beleza”, e, fiel aos seus princípios, tem-se envolvido na
questão dos refugiados: em abril, em Calais, tocou para “homens, mulheres e
crianças em profunda aflição” e em junho, no campo de Vasilika, atuou perante
uma plateia de sírios e iraquianos “que fogem à guerra à espera de encontrar
generosidade e que acabam a ser escorraçados como animais”. À agência EFE,
sublinhou que “todas as catástrofes humanitárias da história ocorreram porque
não fomos capazes de reagir nem enquanto sociedade, nem enquanto Estados”.
Talvez
por isso tenha decidido voltar a “O Livro Vermelho de Montserrat”, editando um
registo da famosa coleção de canções de 1400 captado ao vivo em novembro de
2013 na igreja de Santa Maria del Pi, em Barcelona. Pelo menos, noutra coisa
não se pensa quando se escuta ‘Ad mortem festinamus’ (o que tem como refrão “Corremos
para a morte/ Renunciemos ao pecado” e “Vida curta, breve e de fim rápido” como
um dos seus mais repetidos versos) ou ‘Mariam Matrem Virginem’ (que caracteriza
a Virgem Maria como “o único refúgio seguro no mundo” para quem sofre “atrozes
golpes” do destino). Isto, porque Savall não vislumbra uma prática musical
desligada das dores dos outros, como já disse, mas também porque esta versão do
Llibre vermell é radicalmente
diferente dessoutra que o catalão gravou em 1978 com o então Hespèrion XX.
Por uma razão muito simples: é que ao mudar a ideia que faz de si e do seu
conjunto, de certo modo virando-se para Oriente, Savall alterou a própria forma de interpretar a realidade do medievo.
Por intermédio de instrumentistas como Haïg
Sarikouyoumdjian, Hakan Güngör, Yurdal Tokcan ou Dimitri Psonis
substitui curiosidade intelectual por instinto, dedicação por devoção, e
acerta, por fim, o passo com um século de pestes e peregrinações.
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