Ainda este verão, na bienal organizada pela
International Society of Bassists, em Ithaca, no estado de Nova Iorque, liderou
um curso prático em “Música Visual”, como lhe chama – isto é, o princípio de estruturar
improvisações ou estimular processos composicionais através da interação com a
imagem. Recorrendo ao cânone, Lisa Mezzacappa podia ter mostrado “Fim-de-Semana
no Ascensor”, de Louis Malle, explicando aos cursistas que a sugestiva banda
sonora do filme foi criada exatamente assim – com Miles Davis a assistir a uma
exibição privada da fita e a levar Barney Wilen, René Urtreger, Kenny Clarke e
Pierre Michelot para estúdio sem um único tema escrito. E podia ter posto a
tocar este seu irrepreensível “avantNOIR”, editado meses antes e com inspiração
em romances policiais de Dashiell Hammett (de “Colheita Sangrenta” e “O Falcão
de Malta” a “A Chave de Vidro”) e Paul Auster (o das histórias reunidas em “A
Trilogia de Nova Iorque”).
Como a própria admite, o disco nasceu da sua “vontade
em mergulhar nestas obras”, que invade ocultamente, torna suas e, depois, do
quinteto que a acompanha: Aaron Bennett (saxofone), John Finkbeiner (guitarra
elétrica), Jordan Glenn (bateria), William Winant (vibrafone) e Tim Perkis
(eletrónica). “Procurei pistas para a forma em como poderia combinar as coisas”,
prossegue, em notas de apresentação, “aproveitando certas deixas na linguagem,
na descrição dos locais, em nomes, nos conteúdos de uma carteira, nas rotas de
fuga de um carro pelas ruas de uma cidade.” Mas o contexto narrativo é
praticamente irrelevante, pois, ao melhor estilo do film noir, o que interessa é a maneira em que os seus protagonistas
se subtraem das circunstâncias. Nessa perspetiva dá-se aqui um diálogo paralelo
entre música (jazz, algures entre o Chico Hamilton de “Mentira Maldita” e o
John Zorn de “Spillane”) e som (alarmes, sirenes, campainhas) que torna a
experiência auditiva acusmática, a realidade derrapando para os subterrâneos,
para as sombras, para os sonhos.
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