Imagina-se a ansiedade de Ian Brennan à medida que
o ferry se aproximava da ilha de
Ukerewe, no Lago Vitória. “Muita ansiedade, mas nenhuma expectativa”, viria
mais tarde a confessar, numa troca de e-mails.
Em parceria com a ONG Standing Voice, preparava-se para conduzir um workshop em Composição e Escrita de
Canções com voluntários procedentes da significativa comunidade albina local e,
de soslaio, reparava num casal europeu que fitava a costa como que a bordo de
um vaporetto ao largo de Poveglia. É
uma terra estranha, Ukerewe. Não é uma colónia penal, nem é bem um lazareto, e menos
ainda uma estância turística ou uma reserva, embora possua traços de tudo isso e
muito mais – aliás, para aqueles que sofrem de albinismo, e que costumam ser por
lá abandonados à sua sorte, pode até parecer o paraíso.
É uma condição
empestada por contradições, comum a essoutras com que Brennan contactou no
Camboja, no qual gravou “Khmer Rouge Survivors”, ou na Prisão de Segurança
Máxima de Zomba, no Malawi, onde comandou o Zomba Prison Project, e ao mesmo
tempo totalmente distinta das que já viveu. “Tínhamos despachado instrumentos
para a ilha mas, ao chegarmos, reparámos que as caixas ainda estavam todas por
abrir”, diz. É que, por pudor e desconfiança, os voluntários preferiam pegar
numa marreta ou numa garrafa de cerveja, num prego ou numa vassoura, numa
frigideira ou no arco e flecha. “Nem cantar ou dançar lhes parecia natural”,
explica. Nem falar, diga-se de passagem, pois os sons nas suas laringes são os
daqueles que vivem permanentemente dominados por uma força que não suportam. Daí
resultam dilacerantes temas com pouco mais de trinta segundos – histórias de
perseguição, violência, mutilação, violação (na Tanzânia, e não só, ainda se
crê que relações sexuais com uma mulher albina podem curar a SIDA e que comer certas
partes do corpo de albinos traz fortuna e saúde). E nem se supõe que estes
homens e estas mulheres possam dar voz aos seus sentimentos durante mais tempo
do que isso.
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