26 de agosto de 2017

“Synthesize the Soul: Astro-Atlantic Hypnotica from the Cape Verde Islands, 1973-1988” (Ostinato, 2017)


Di-lo Val Xalino, e nos anos 80 não há quem não tenha passado pelo mesmo numa qualquer discoteca africana em Lisboa: “As pessoas queriam coisas diferentes, queriam dançar, queriam o sintetizador! Quando criámos este novo som [refere-se à febre do cola-zouk nas pistas crioulas] a música parecia dez vezes mais alta!” Xalino, com memórias da famosa casa da Rua da Moeda, no Mindelo, que serviu de berço à morna, falava a respeito do LP “Dançá Dançá T’Manchê”, de 1986, mas um ano antes tinha cantado “Dilema d'Imigração”. O seu depoimento surge no livreto que acompanha esta edição e que tem como maior virtude o discurso direto (Vik Sohonie, organizador, entrevistou ainda Tchiss Lopes, Manuel Gomes, Jovino dos Santos e Elísio Gomes), não obstante a mais-valia gerada por resumos biográficos da autoria da investigadora Gláucia Nogueira ou por um competente ensaio saído da pena do antropólogo Rui Cidra. Seja como for, é de emigração, sim, que se fala. 

Ou melhor, daquele tempo (e a trajetória agora proposta peca por excesso, pois o Nhô Balta de ‘Posse Bronck’, de 1973, não será bem para aqui chamado, e simultaneamente por escassez, pois falta-lhe algum bife do lombo) em que se iludiram os efeitos do perverso conjunto de limitações que reifica cronicamente a precária condição. Como afirma Tchiss: “[Em Roma] via patrícios meus a dormir na rua. A música foi uma salvação.” Daí o seu otimista “Stranger Já Catem Traboi”. Foi sol de pouca dura, como se sabe, mas em nenhum lugar brilhou tanto quanto na antiga sede de império, com paradigma no trabalho de Paulino Vieira (com Voz de Cabo Verde, Abel Lima, José Casimiro ou Dionísio Maio), cujos sintetizadores até os efeitos das bactérias nos foles dos velhinhos acordeões de funaná conseguiam imitar, como me confessou um dia Toy, seu irmão. “Ouves blues e soul, mas quando compões sai música cabo-verdiana”, dizia Paulino (na foto) a Jovino, o que explica que só a custo se perceba que o seu ‘Bo Ta Cool’ é na verdade uma versão de ‘Tell Me Why Has Our Love Turned Cold’, de Willie Hutch – Cabo Verde com um pé na Motown. Extensível a Pedrinho, Tulipa Negra e Cabo Verde Show, que magnífico atrevimento.

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