Mal refeitos do sobressalto que foi ouvir Argerich
num “Gaspard de la nuit” que visitou o além e tatuou um sorriso na múmia de Samson
François (em “Live From Lugano 2016”), eis que não só chega aos escaparates
esta sua parceria com Ozawa como se anuncia já para o final do mês um disco seu
em colaboração com Sergei Babayan consagrado a transcrições para dois pianos de
obras de Prokofiev. Ainda há pouco, por sinal, foi lançada uma versão de
“Carnaval dos Animais” em que a pianista dividia o palco com Antonio Pappano e
fazia um jogo do gato e do rato com solistas da Academia de Santa Cecília. De
facto, parece que estamos de volta a 2016, quando a argentina cumpria o
septuagésimo quinto aniversário e as editoras se puseram no empurra-empurra, organizando
“Complete Sony Classical Recordings” (5 CD), “Chopin: Complete Recordings” (5
CD) ou “Warner Classics Recordings” (20 CD). Um dos títulos que nessa altura
saiu foi “Live From Lugano 2015”, onde Argerich tocava a adaptação que Debussy
fez para dois pianos de “Seis Estudos em Cânone”, de Robert Schumann, com Lilya
Zilberstein – exatamente uma das obras que as duas incluíram no recital que programaram
para hoje na Gulbenkian.
Aliás, é na obra de Schumann, mais concretamente nos
primeiro e quinto estudos, que se pode ler a indicação que mais vezes na vida,
sentada ao piano, se crê ter Argerich dito de si para si: Pas trop vite. Será o que vem à mente ao ouvir esta sua
interpretação do “Concerto para Piano Nº 1”, em Dó maior, Op. 15, de Beethoven,
no qual, a certa altura, a sua noção algo elástica das divisões do compasso dá
origem a um deslize capaz de trazer à memória aqueloutro de Rudolf Serkin na
mesma obra, com o mesmíssimo Ozawa e a Sinfónica de Boston. Mas, como se sabe, em
Argerich, tanto quanto em Beethoven, o espontâneo é quase sempre superior ao
estudado e o intrínseco colocado num grau superior ao imitativo. Tudo isto, claro,
sem prejuízo de uma articulação limpa, expressiva, enfática e ocasionalmente
espiritual. Como complemento, uma “Sinfonia Nº 1”, em Dó maior, Op. 21, com
Ozawa a urdir as mais diáfanas texturas a partir de cordas de tafetá, alerta
mas em controlo da situação, com urgência mas sem pressas.
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