10 de março de 2018

Evan Parker/Barry Guy/Paul Lytton “Music For David Mossman – Live At Vortex, London” (Intakt, 2018)


Os músicos levam “vidas complicadas”, lembra semanalmente a revista “The New Yorker”, sugerindo que, em matéria de concertos, o melhor será confirmar com antecedência os compromissos assumidos. Nesta dimensão mais paroquial da música improvisada, trata-se de uma frase que logo traz à memória aquelas cenas de “Musician: The Work Series by Daniel Kraus” em que Ken Vandermark, na cave de sua casa, estava o Google Calendar ainda em versão beta, parecia dedicar horas do seu dia a organizar um enorme calendário coordenado por cores e afixado na parede com a entrega de um teórico da conspiração. Não admira, portanto, que alguém como Evan Parker, 20 anos mais velho que Vandermark, descreva amiúde o Vortex Jazz Club, em Londres, onde há muito mantém uma residência mensal, como uma espécie de refúgio, “um porto de abrigo para as imposições da estrada”, lê-se na sua página da Internet. “Tocar num espaço daquele tamanho perante uma plateia que veio ouvir é ideal [para pequenas formações]”, conclui. 

Calcula-se que a admiração seja recíproca. Na semana passada preparou um concerto especial de angariação de fundos para a sala – um duo com Dave Holland que rapidamente esgotou – e ainda ontem lá esteve com Peter Evans e Sam Pluta. Quer isto dizer que não será necessário conhecer-se intimamente a lei da probabilidade total para se esperar o melhor quando Parker decide editar um disco gravado no Vortex: foi assim, precisamente com Guy e Lytton, em “At the Vortex”, em “After Appleby” e em “Live at the Vortex”. Aqui, estávamos a 14 de julho de 2016. Falava-se do Brexit e de Theresa May e de Trump e Hillary, mas não se sabia do atentado em Nice. Mesmo que se soubesse, é provável que o concerto se mantivesse. É que Parker, Guy e Lytton nunca tocam como se nada fosse, mas sim porque, na vida, efetivamente tudo se dá. E estão há 30 anos a provar que a improvisação não se resume a dizer a mesma coisa de maneiras diferentes, nem diferentes coisas da mesma maneira. Que é antes aquele ato de equilibrismo que se faz sem pensar sempre que se põe o pé fora da cama, tão vulnerável, tão inevitável.

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