Os músicos levam “vidas complicadas”, lembra
semanalmente a revista “The New Yorker”, sugerindo que, em matéria de
concertos, o melhor será confirmar com antecedência os compromissos assumidos.
Nesta dimensão mais paroquial da música improvisada, trata-se de uma frase que
logo traz à memória aquelas cenas de “Musician: The Work Series by Daniel
Kraus” em que Ken Vandermark, na cave de sua casa, estava o Google Calendar
ainda em versão beta, parecia dedicar
horas do seu dia a organizar um enorme calendário coordenado por cores e
afixado na parede com a entrega de um teórico da conspiração. Não admira,
portanto, que alguém como Evan Parker, 20 anos mais velho que Vandermark,
descreva amiúde o Vortex Jazz Club, em Londres, onde há muito mantém uma
residência mensal, como uma espécie de refúgio, “um porto de abrigo para as
imposições da estrada”, lê-se na sua página da Internet. “Tocar num espaço
daquele tamanho perante uma plateia que veio ouvir é ideal [para pequenas
formações]”, conclui.
Calcula-se que a admiração seja recíproca. Na semana
passada preparou um concerto especial de angariação de fundos para a sala – um
duo com Dave Holland que rapidamente esgotou – e ainda ontem lá esteve com
Peter Evans e Sam Pluta. Quer isto dizer que não será necessário conhecer-se
intimamente a lei da probabilidade total para se esperar o melhor quando Parker
decide editar um disco gravado no Vortex: foi assim, precisamente com Guy e
Lytton, em “At the Vortex”, em “After Appleby” e em “Live at the Vortex”. Aqui,
estávamos a 14 de julho de 2016. Falava-se do Brexit e de Theresa May e de
Trump e Hillary, mas não se sabia do atentado em Nice. Mesmo que se soubesse, é
provável que o concerto se mantivesse. É que Parker, Guy e Lytton nunca tocam
como se nada fosse, mas sim porque, na vida, efetivamente tudo se dá. E estão
há 30 anos a provar que a improvisação não se resume a dizer a mesma coisa de
maneiras diferentes, nem diferentes coisas da mesma maneira. Que é antes aquele
ato de equilibrismo que se faz sem pensar sempre que se põe o pé fora da cama,
tão vulnerável, tão inevitável.
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