Desde
1980 patente num prédio do bairro nova-iorquino de SoHo, a “Earth Room”, de
Walter De Maria, cifra-se numa ampla sala exclusivamente preenchida por uma
camada de terra com cerca de 50 cm de altura e 130 t de peso. Trata-se de uma peça
destinada a poluir os sentidos: representará o fio do horizonte, uma meditação
sobre a morte ou um alerta face à iminente e absoluta esterilidade da natureza?
Ou será, ao invés, um telúrico concentrado da força de produzir, um instantâneo
de um estado físico antes de passar a outro, um registo do permanente movimento
da vida ou de um tempo que não se pode medir? Questões que se diria terem sido
transferidas por Stephen De Staebler para o corpo humano através das suas
totémicas figuras em cerâmica, tão capazes de contaminar a imaginação quanto o
barro na Bíblia, nos versículos do oleiro: no limite, referir-se-ão a constituintes
orgânicos que medram ou que murcham, que frutificam ou que definham, que se
formam ou que se fragmentam, que se petrificam ou pulverizam? Seja como for,
resistem a qualquer tipo de catalogação. São o que são, tão difíceis de definir
como o elemento que invocam quando desprovido de uso, um solo que não se prende
ao chão, que é só paisagem.
Agora, em notas de apresentação, neste CD, Threadgill
reclama a arte de um e de outro como influência. E, na verdade, também a sua
música se vem revelando mais leve à medida que se adensa de mistérios. Pegando em
algo que disse, conforme contou em entrevista, à “Wire”, terá aprendido com o
exemplo de Elliott Carter, cuja obra foi-se com os anos refinando, em contraste
com a acumulação de experiência de vida. E é possível dar-se em “Dirt… And More
Dirt” por aquela “modulação métrica” de que falava Carter, com o andamento a
abrandar e a acelerar de modo inesperado, quase de compasso a compasso. Mas tudo
isto está muito cheio da história do seu autor para que se pareça com a música de
mais alguém: aqui, ritmos latino-americanos, caribenhos e indianos lembram que
Threadgill viveu em Caracas, Antilhas e Goa. Ali, estranhos intervalos, como se
as notas caminhassem sobre pernas de tamanhos diferentes, trazem à memória o
interesse de Threadgill por modalismos folclóricos da Europa de Leste. Solos exaltantes
e explosivos recordam a sua associação à igreja, enquanto jovem, ao lado de um
prodigioso orador que tinha a alcunha de “bomba atómica”. Enfim, há muitas partes.
Mas, ao contrário do que faziam Maria e Staebler, nenhuma delas deixa
efetivamente de pertencer a um todo.
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