Quando
se preparava já para largar o posto de concertino em Gota (uma pequena peça no puzzle dos ducados ernestinos, na região
da Turíngia), Spohr dirigiu a sinfonia ‘Júpiter’, de Mozart, começando por apontar
a ponta do arco do seu violino para o Olimpo e semeando raios e trovões pelos
membros da corte. Entre a assistência estava Weber, que escreveu assim: “De
andamentos vivos e bem escolhidos, as necessárias luz e sombra e sentimentos
coesos, é raro escutar uma apresentação tão boa desta obra tão difícil. O
prazer do escriba é mitigado apenas por lhe estar prestes a ser vedado o acesso
a tamanha perfeição, pois Spohr vai abandonar o cargo.” Não partiu sozinho,
claro, levando consigo Dorette Scheidler [na miniatura de Carl Gottlob Schmeidler], a harpista com a qual havia
entretanto casado – “Estava tão comovido que mal consegui segurar as lágrimas.
Fiz-lhe uma vénia, retirei-me da sala e deixei o meu coração para trás”, foi o
que contou Spohr da primeira vez que a ouviu tocar. Conforme concluiu Clive
Brown, em “Louis Spohr: A Critical Biography”: “É adequado que um evento tão
importante na sua vida pessoal coincida com o aparecimento de um estilo mais
individual na sua escrita.”
E uma das mais interessantes formas de o
identificar será através das sonatas concertantes para violino e harpa que
compôs com o charme e virtuosismo de Dorette em mente, entre 1806 e 1811, ainda
em Gota, e que o casal veio posteriormente a incluir em recitais conjuntos por
Itália, França e Inglaterra. No que de mais espontâneo e imaginativo possuem,
aliás, reconhecem-se elementos do seu estilo maduro, numa técnica mais fluida e
cromática, sujeita a inesperadas modulações e a impulsos menos canónicos, não
obstante, aqui, procurar-se mais a “execução bela” do que a “execução correta”,
distinção presente num tratado de violino de Spohr a que Brown alude no seu
livro. Brown foi orientador da tese de doutoramento de Nagasawa, o que explica
a flexibilidade deste registo, cúmplice do melhor que um casal partilha da sua
vida a dois, com Bernardini a lembrar o que disse Paganini sobre Spohr: que
ninguém punha o violino a cantar como ele.
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