Por
querer evitar comparações com Cecil Taylor, quiçá, foi resistindo à ideia de lançar
um disco a solo. Até que em junho de 1995 recebeu um convite para atuar no âmbito
da Workshop Freie Musik, na Academia das Artes, em Berlim (exatamente a cidade
europeia em que Taylor havia deixado mais impressões digitais – cf. “In Berlin ‘88”, a monumental caixa
de 11 CD com a chancela da FMP) – e lhe terá vindo à ideia uma frase de Marx
sobre o modo em que a História se repete em relações avunculares. Mais, ainda,
ao perceber que o concerto seria gravado e colocado no mercado pela mesmíssima
editora – quando efetivamente saiu, em 1997, como “Before the World”, lia-se em
notas de apresentação suas que na altura “trabalhava em coisas [saídas] da
literatura clássica” do instrumento, “principalmente barrocas”. Coisas que continuavam
a fazer-lhe cócegas nos dedos quando regressou a Nova Iorque e se pôs a pensar
mais seriamente no que significava, ao certo, ter um disco a solo – se não
seria a oportunidade de passar para o papel, em termos figurados e, até,
literais, as ideias soltas que lhe titilavam a mente.
Resulta daí este “Symbol
Systems”, de novembro de 1995 – o primeiro álbum a solo de Matthew Shipp. Comparado
com os dez que desde então lhe seguiram – o último dos quais, “Zer0”, já este
ano, na ESP – revela um cuidado extremo na articulação clara de cada linha
melódica, na solidez de cada frase, porventura gerando estruturas menos
maleáveis do que aquilo que seria de esperar num improvisador. Aliás, esta
reedição permite identificar um padrão que não se parece com o de mais ninguém
e se diria de tal forma integrante do seu discurso que, de facto, se prova irresistível
ir visitá-lo à fonte: uma espécie de obsessão em escalpelizar impulsos saídos
do nada, uma vontade de quebrar o núcleo dos átomos musicais mais instáveis e
ao mesmo tempo de modelar e canalizar a energia que libertam, de levar o free para a cama. Talvez por isso, em
entrevistas, Shipp fale tanto de “forças primevas”, de “desejo”, do “abismo”,
do “vazio” e do “Big Bang”: na sua discografia, é aqui que ele está.
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