Observando
bem o subtítulo, em termos da compilação dir-se-ia estarmos perante uma doença
auto-imune - “êxitos que nunca foram”, chama-lhes Millos Kaiser, o autor deste
retrato muito pouco domesticado [à esquerda, na foto do Duo Selvagem], de certa forma trazendo à memória Harry Smith,
o arquiteto deste cânone peculiar desde que, em 1952, serviu de curador na
famosa “The Anthology of American Folk Music”, para a editora Folkways. Aliás,
ainda hoje, o maior elogio que se pode consagrar a compêndios desta natureza é
o que John Fahey fez por alturas da reedição da antologia: “Os Manuscritos do Mar
Morto? Nã… Dêem-me antes a ‘Anthology’.” E em “The Old, Weird America”, Greil
Marcus refere-se assim à coleção: “Um documento [com raízes no] oculto
disfarçado de um tratado académico sobre alterações de paradigma numa
musicologia arcaica.” Kaiser não diria tanto, presume-se. Mas quando, juntamente
com Augusto Olivani, seu parceiro no Duo Selvagem, a dupla de DJ de São Paulo,
respondeu a um questionnaire de
Proust colocado por um sítio brasileiro, deu-se com a seguinte troca de
impressões: “Qual a sua ocupação favorita?” MK: “Procurar discos legais que
ninguém conhece.” “Quem são os seus
heróis da vida real?” AO: “Alan Lomax.”
Efetivamente, como é
claro, gostam de aparências. Ou seja, neste particular, Kaiser prova-se capaz de
gerar significado a partir de quase nada: lá está, a partir de “êxitos que
nunca foram”, como são os de Ricardo Bomba, Vânia Bastos, Controle Digital,
Batista Junior, Fogo Baiano, Via Negromonte, Electric Boogies, André Melo e Região
Abissal, gente que lançou um álbum ou dois, por vezes um único single, excecionalmente um maxi, com um pé a resvalar para a música
axé e outro já lambuzado pela lambada ou por outra qualquer fruta da época. Temas,
segundo Kaiser, mal-amados, embora possuam condições para ser queridos, e que, por
isso, são como parentes pobres dessoutros que Ed Motta reuniu em “Too Slow to
Disco”. Em detrimento dos nutrientes contérminos contidos nas produções de
Lincoln Olivetti do período, por exemplo, é como matar a fome epistémica com
restos. Às vezes, é o que sabe melhor.
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