24 de agosto de 2019

Gabrielli/Fedele: Ricercari & Ritrovari (Winter & Winter, 2019)


O que ainda há pouco fez o violinista Gidon Kremer com os “24 Prelúdios para Violoncelo”, de Mieczyslaw Weinberg, na Accentus, ou, também recentemente, a violetista Kim Kashkashian com as “Suítes para Violoncelo”, de Bach, na ECM, faz agora Desjardins aos pioneiríssimos “Ricercari” (1688), de Domenico Gabrielli: transcreve-os. Veio-lhe a ideia, conta, enquanto viajava pela Sicília, fazendo casar o que ouvia com aquilo que a sua vista alcançava. Mas, como não poderia deixar de ser, até pelo solipsismo inerente à prática, enquanto solista Desjardins interessa-se mais por paisagens espirituais – daí, então, o convite a Ivan Fedele para ligar o condensador de fluxo da contemporaneidade ao barroco, “explorar os gestos e a escrita de Gabrielli e encadear ricercari [do italiano ricercare, i.e., procurar] com ritrovari [de ritrovare, i.e., encontrar] recorrendo às sensações de uma viagem interior”, explica. Podia ter colocado a ênfase de outro modo – afinal, pelo que se ouve aqui, Fedele partiu da maturidade experimental de Gabrielli; ou seja, na metodologia desta sua aproximação ao seicento reconhece-se a preeminência do empirismo, e, ao contrário de Doc, em “Regresso ao Futuro”, com ou sem bata branca, Fedele não receia o paradoxo temporal. 

Aliás, não podia ter encomendado melhor matéria-prima: pois, a verdade é que Gabriellli colocou em confronto a informalidade dos seus “Ricercari” – onde começou a literatura a solo do violoncelo – com os dogmas da sua época. Não será por acaso que o “Primo Ricercar” se inicia com uma pausa, dando a entender que investe em terra desconhecida antes de ceder ao impulso da imediatez, o perfume da improvisação a colar-se ao seu motivo melódico, a etiqueta da escrita contrapontista ignorada, a liga metálica que cobria as cordas (uma invenção recente) em brasa. Na violeta de Desjardins, como é óbvio, tudo fica ainda mais leve e ambivalente, fragmentário, etéreo e incoerente – e ao jeito do que fez Scodanibbio com Bach, Holliger com Machaut ou Tüür com Gesualdo, também Fedele aponta um espelho estilhaçado ao passado, com certeza por saber que fica assim muito mais perto de retratar o presente.

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