Trémula, hesitante, ensalivada, escuta-se a voz de Philippe
Jaccottet, em “Airs”, recitando os sete poemas que estão na base de “Lecture”, de
Heinz Holliger, e quem vem à memória é Nonno, em “A Noite da Iguana”, naquela débil
e falaz argumentação poética em torno da árvore que nada pede e nada perde e
tudo vê. Aí, é-nos apresentado como “o poeta mais velho do mundo”, mas têm de
se fazer as contas para Jaccottet, que nasceu em 1925 e admite que mais não faz
que “recolher as coisas que, elas mesmas, mais rápida ou, pelo contrário, mais
lentamente que uma vida humana, passam”. Quando viu publicados estes poemas, Jean-Pierre
Richard reconheceu-lhes a capacidade de surpreender a um nível muito humilde certas
manifestações do instinto que permitem às palavras deslizar suavemente pelo ar.
Será uma ideia que agrada a Holliger, que na sua peça produz uma música que se
acerca daquela que Borges descreveu assim: “Aguda, como que silábica”, a aproximar-se
e a distanciar-se no vaivém do vento.
A evocação do argentino não surge por
acaso: repartido entre Holliger e György Kurtág, com 37 faixas, e com uma boa
dúzia de peças a rondar o minuto, minuto e meio de duração, “Zwiegespräche” é completamente
labiríntico. Aliás, pegando em “O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam”, onde se
encontra a tal citação da música aguda, quase se imagina os compositores a
dizerem um ao outro que não acreditam num “tempo uniforme, absoluto”, mas sim
“em infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos
divergentes, convergentes e paralelos”, em “tempos que se aproximam, se
bifurcam, se cortam ou secularmente se ignoram” e que abarcam “todas as
possibilidades”. Exemplo disso mesmo é “Die Ros’”, com o suíço e, depois, o
húngaro, a musicar os singelos versos de Angelus Silesius: “A rosa não tem
porquê/ Floresce porque floresce/ Não quer saber de si/ Nem pergunta se alguém
a vê.” Nestes diálogos com o infinito, Holliger com 80 anos, Kurtág com 93,
estão, também eles, como Jaccottet (e Nonno): mais do que a pespegar coisas novas
ao mundo, a respigar as que o mundo tem tendência a negligenciar. Um estilhaço de
cada vez.
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