Pinta-se o cartaz do Jazz em Agosto com as cores do
PREC, conquanto se troque o R da revolução pelo da resistência – só falta no
elenco a banda de “Palavras ao Vento” e na banca da livraria o “Resistir é
Preciso”, de Alípio de Freitas. “[Resistir] É um libelo contra a opressão como
forma de vida política, contra o silêncio das mordaças, contra todos os
processos de aviltamento do homem, contra a corrupção ideológica erigida em
serviço à comunidade”, dizia o autor. Agora, fortificando com trincheiras anfiteatros
e auditórios, e porque alvitra o festival que “o jazz sempre teve na sua raiz a
semente da contestação e da mudança”, põem-se aí bandos de desalinhados a
conjugar o verbo à sua maneira. Sosseguem os espíritos, Pacheco Pereira não terá de
ir de propósito à Gulbenkian recolher materiais para a Ephemera – aqui, como é
óbvio, e independentemente de filiações partidárias, privilegia-se sobretudo uma
música que intervém musicalmente (que não só politicamente) e em cujo sistema
sanguíneo circulam células de sedição desde a nascença. Atente-se ao que há uns
anos disse Daniel Rosenboom sobre esses seus Burning Ghosts [na foto] que tocam hoje às 21h30
no Anfiteatro ao Ar Livre: “Face aos males que nos atingem, criar arte – e música
expressionista em particular – pode parecer um modo muito abstrato de reagir. E
longe de mim sugerir que a nossa música representa uma ação efetiva contra a
violência policial, a discriminação ou a desigualdade – mas sinceramente acredito
que pode levar à reflexão. E se o nosso público identificar esses gatilhos, então,
ficará a um passo de lidar com questões muito complicadas.” Claro está, desde
que consiga sobreviver à câmara de tortura sonora a que Rosenboom, Jake
Vossler, Richard Giddens e Aaron McLendon o submete e em que torna palpáveis os
seus piores pesadelos – talvez o ponto seja esse. Antes (18h30), no Auditório
2, com mais subtileza e menos premeditação, tocam Ingrid Laubrock e Tom Rainey
– aliás, a respeito de uma data do duo, e após lhe ter sido perguntado o que esperar
de um concerto seu, Laubrock respondeu: “Idealmente nada em particular, pois ao
improvisarmos tentamos pôr em relevo o elemento da surpresa.” Semelhante
desafetação deverá apoderar-se amanhã de Abdul Moimême (Sala Polivalente, 17h)
e do quarteto de Ricardo Toscano, Rodrigo Pinheiro, Miguel Mira e Gabriel
Ferrandini (Auditório 2, 18h30), gente que trata da emancipação mais ao nível
do indivíduo que do coletivo, que é precisamente, e por sua vez, o objeto da
flautista e compositora Nicole Mitchell: à noite (21h30), à frente de um
octeto, ao colocar em cena as contrastantes forças de “Mandorla Awakening II”, dramatizará
um alerta muito simples, que é o de que a atual tendência para a homogeneização
nas sociedades ocidentais mais não é do que uma forma de colonizar a cultura de
todo o mundo e de conceder automaticamente um estatuto marginal a toda e
qualquer minoria que ouse articular a sua própria diferença. Pois, de outra
coisa não trata o trio Abacaxi (de Julien Desprez, Jean-François Riffaud e Max
Andrzejewski, que se apresenta quinta, às 18h30, no Auditório 2), o sexteto
Freaks (liderado por Théo Ceccaldi, toca também dia 8, às 21h30, no Anfiteatro
ao Ar Livre), o duo de percussão de Joey Baron e Robyn Schulkowsky (sexta,
18h30, Auditório 2) e o estelar sexteto Triple Double, com Tomas Fujiwara,
Gerald Cleaver, Mary Halvorson, Brandon Seabrook, Ralph Alessi e Taylor Ho
Bynum (sexta, 21h30, Anfiteatro ao Ar Livre). O festival termina no dia 11.
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