Anda Mario Pavone, por aí, a dar concertos com
Patty Waters e Burton Greene, que parece arrumar com a questão de se o tempo é cíclico
ou linear – e há algo hagiográfico em imaginar estes septuagenários e
octogenários a sentarem-se no chão de pernas cruzadas, a acender pauzinhos de
incenso e a explicar que, no fundo, o ponto a discutir nem é esse. Conforme o
título de um livro de Ram Dass que todos tiveram na sua juventude, o importante
é “Be Here Now” – e vendo bem a maneira como decidiu designar este seu novo CD,
nem Pavone se dispõe a discorrer sobre outra coisa. Para tal, socorre-se de quem
percebe da poda: Annette Peacock, a mesma que cantou o mantra “Would we/ Ever
be/ Happier than we are/ Here – upon a now?” como quem, contra todas as
evidências, dá voz aos Paradoxos de Zenão. Aliás, de modo muito apropriado, este
extraordinário trio de Pavone – com Matt Mitchell ao piano e Tyshawn Sorey na
bateria – extrai ao repertório da compositora temas que têm tudo a ver com o
assunto (‘The Beginning’ e ‘Circles’) e que lembram, por sua vez, que o
contrabaixista se estreou em disco a tocar precisamente canções dela, há 50
anos.
Depois, sempre que Gary Peacock se encontrava demasiado ocupado,
imagina-se, seguiu estrada fora com Annette e Paul Bley a pregar uma peculiar
teologia do corpo: estão juntos num álbum gravado ao vivo chamado “Dual Unity”.
Era um tempo em que a cantora andava em palco de cinzel na mão, como dizia, a
entalhar a cacofonia em seu redor – e Pavone a seu lado, sem o grilhão dos
andamentos, sem a manilha das sequências de acordes, exposto a muito mais do
que na altura poderia abarcar, a aprender tudo sobre o conforto e o desconforto
que na liberdade se confundem ou, pelo menos, a tentar adivinhar quando se
livrar do lastro que aumenta o peso do contrabaixo, quando a ele se agarrar. Sem
inteiramente o perceber, adquiriu com Annette a capacidade de fazer despertar
as zonas erógenas do free jazz. Meio
século depois basta-lhe um par de gestos para lhe devolver a vida, reanimar o
corpo e soltá-lo de obrigações. Pois, neste domínio, já dizia T. S. Eliot: “O
que chamamos o princípio é muitas vezes o fim/ E terminar é começar.” Seja em
1969, seja em 2019, como filosofia, não está nada mau.
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