Em Vilnius, o seu pai é diretor de um coro. A sua
mãe é pianista e cantora. A sua avó era violinista. A sua tia-avó foi compositora.
O seu tio-avô, organista. (Parece a letra de ‘Paratodos’, de Chico Buarque.) No
meio de tudo isto, não admira que a maestrina Mirga Grazinyte tenha querido acrescentar
Tyla (i.e., silêncio, em lituano) ao apelido.
Metaforicamente falando, claro, não se vislumbra pessoa mais indicada para assinalar
o centenário de Weinberg. Pois, quando agora se lê Mieczyslaw Weinberg
(1919-1996), ou “Sinfonia Nº 2” (1946) e “Sinfonia Nº 21” (1991), a verdade é
que até se ouvem os grilos na página, de tal forma foi continuamente ignorada a
obra do polaco-soviético – enjeitado pelo destino (e, ainda assim, sobrevivendo
ao pogrom de Kishinev, à Operação
Barbarossa e à Zhdanovshchina), em fotografias surge quase sempre sério, mas de
expressão ausente e fato cintado pela repressão soviética ou pela mandíbula do
antissemitismo ou pela doença de Crohn de que padecia, ou provavelmente pelas
três. Talvez por isso, num texto de apresentação, diga Grazinyte-Tyla que “as
citações que Weinberg consegue entretecer na sinfonia [Nº 21] abrem espaço ao
mistério, à interpretação, à arte de decifrar mensagens escondidas sob as
notas.”
Uma delas, no caso, é a assombrosa “Balada Nº 1”, em Sol menor, de
Chopin, porventura inspirado pela autobiografia de Wladyslaw Szpilman (a
mesmíssima que, em 2002, Polanski adaptou ao cinema, em “O Pianista”). Isto
porque a sinfonia – apelidada de “Kadish” – foi dedicada à memória dos que
pereceram no Gueto de Varsóvia. Aliás, muitos dos seus materiais remontam a
meados de 60, quando Weinberg escreveu a música de “Pai Nosso”, um filme de
Boris Ermolaev que só a Perestroika tirou da arca e que documentava o desespero
de mãe e filho a tentarem escapar à perseguição de judeus nas ruas de Odessa
até por fim se deixarem ficar congelados num banco de jardim – daí dar-se aqui
igualmente por uma referência a “A Vida Terrena”, de Mahler, canção feita mesmo
à medida da cena. Como Silvestrov, de cuja produção se aproxima por antecipação
(ouça-se a “Sinfonia Nº 2”), também Weinberg recorre à fala de outrem para (d)enunciar
o muito que manteve calado dentro de si. Logo ele, que afirmou que “um
compositor é alguém que consegue iluminar com luz própria a treva que há em nós”.
Tyla fá-la brilhar como nunca.
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