Schönberg: Verklärte Nacht, Variations for Orchestra,
Pelleas und Melisande; Berg: Orchestral Pieces; Webern: Orchestral Pieces; Berliner
Philharmoniker, Herbert von Karajan (d), (Deutsche Grammophon, 2014)
Sibelius: Finlandia, the Swan of Tuonela, Tapiola,
Pelléas et Mélisande; Grieg: Peer Gynt Suites Nos. 1 & 2; Nielsen: Symphony
no. 4; Berliner Philharmoniker, Herbert von Karajan (d) (Deutsche Grammophon,
2014)
Não se vislumbra programa mais
adequado ao temperamento de Karajan do que este, que se consagra à Segunda
Escola de Viena e que, reunido num triplo CD que reedita originais de 1974,
documenta o seu invulgar talento em dissecar criticamente impulsos
autoritários. O seu Schönberg é fílmico e climático: os protagonistas de “Noite
Transfigurada”, Op. 4, na releitura de 1943, estão debaixo de um borriço que
espalha a golpes de vento, descortinando a lua, colocando a esperança à mercê
dos movimentos de guilhotina que faz com os braços; até os condenados Pelléas e
Mélisande, no homónimo poema sinfónico, Op. 5, inspirado pela peça de
Maeterlinck, ficam em animação suspensa, entre ciclos de criação e destruição;
as “Variações para Orquestra”, Op. 31, são um assombro técnico, como se, de uma
só vez, pudéssemos escutar todos os órgãos que no nosso corpo vão trabalhando
em silêncio. Dedicadas a Schönberg foram as “Três Peças para Orquestra”, Op. 6,
de Berg. Guiando-nos pela mão e anestesiando-nos os sentidos, Karajan situa-nos
no limiar de um pagode envolto em véus de incenso. Em minutos, o ruído é de tal
ordem que, mal termina, pensamos ter ficado surdos. Também com Webern é como se
tivesse estalado uma guerra junto aos nossos ouvidos: uma visão particularmente
antropológica das “Seis Peças para Orquestra”, Op. 6, diria estarem repletas
daqueles ominosos momentos em que uma personagem de ficção leva as mãos à
cabeça interrogando-se “Meu Deus! O que fomos fazer?”, ainda que se saiba que foram
escritas como uma reação ao luto.
São gestos sutis de efeitos
devastadores que estão nos antípodas dessoutros compilados em mais uma caixa
agora lançada. Aí, os poemas tonais e sinfónicos de Sibelius, uns
supersticiosos, outros supliciados, surgem com a devida camada de verniz e, em
“O Cisne de Tuonela”, “Finlandia” ou “Tapiola”, a secção de cordas da orquestra
está como uma patinadora no gelo, simulando que é uma leve brisa – e não a mais
férrea determinação – que a anima. De Nielsen, está a “Sinfonia Nº 4”, Op. 29,
dita ‘A Inextinguível’, com aquele insólito duelo timpânico em que se detetam
os canhões da Primeira Grande Guerra. De Grieg, as extintas capacidades de
sedução das suítes extraídas a “Peer Gynt”.
Conquanto permitam ambos questionar
os limites desses mesmos paradigmas, saltar entre conjuntos de gravações – o
segundo foi efetuado entre 1981 e 1984 – é, de certa forma, como passar da
periferia do gosto para a da geografia, da ideia de uma Europa para a de uma
outra Europa. Pelas suas fronteiras manobrou Karajan de modo ímpar.
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