HJ Lim (p)
No romance “Um Quarto com Vista”, há
um momento em que o Reverendo Beebe, de um canto da sala, observa Lucy
Honeychurch ao piano sem que ela se dê conta. Absorto, achando-a um pouco menos
conformista, conservadora, cândida ou convencional, recorda algo que se lhe
havia ocorrido há tempos, quando a ouviu tocar o ‘Opus 111’: “Se a menina
Honeychurch decide alguma vez passar a viver tal como toca, as coisas
tornar-se-ão muito excitantes – tanto para si, quanto para nós.” Terá sido mais
ou menos essa a reação de quem assistiu à chegada de HJ Lim aos palcos
internacionais, e não se pode dizer que a sul-coreana tenha desiludido. E dois
anos após a sua idiossincrática estreia em disco – exatamente com a integral
das sonatas de Beethoven –, dir-se-ia de novo talhada para a excentricidade. Na
primeira das “Valsas Nobres e Sentimentais”, de Ravel, está como uma menina
traquina, subindo e descendo escadas aos três e quatro degraus de cada vez; na
quarta põe valsistas a bailar no salão de um navio naufragante; na sexta, um
tanto gótica, solta uma aranha gigante pelo teclado; na sétima lê a indicação moins vif e ri-se como se ri para si uma
rapariga do Estoril quando os pais lhe dão para a mão as chaves do cabriolé aconselhando-a
a não acelerar na Marginal. Na “Sonatina” lembra o pianista de “Janela
Indiscreta”, preso a uma melodia que o conduzirá à loucura ou à glória. Já no prestissimo volando da “Sonata para Piano
Nº 4”, de Scriabin, empurra o piano ladeira acima para logo o fazer despenhar,
e na “Nº 5” organiza um jogo da corda entre as mãos esquerda e direita. Disse o
compositor russo: “Quero tomar posse do mundo como um homem toma posse de uma
mulher.” Aqui, é ela a predadora.
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