“Black Fire! New
Spirits! Images of a Revolution: Radical Jazz in the USA 1960-75”
“Black Fire! New Spirits! Radical and Revolutionary Jazz in
the USA 1957-82”
Foi
há 50 anos. E, em retrospetiva, na década de 90, num artigo para a JazzTimes, o
crítico Bill Shoemaker caracterizou-a como “a mais seminal série de concertos
de jazz jamais organizada”. Durou poucas noites, teve como palco o modesto Cellar
Café, em Nova Iorque, e adotou a designação de “Revolução de Outubro no Jazz”,
confortável com o bolchevismo e a hipérbole. Para muitos, entre dezenas de intervenientes,
foi a primeira oportunidade para assistir a atuações de Archie Shepp, Andrew
Hill, Sun Ra, Cecil Taylor ou Ornette Coleman com plena consciência de que estavam
em marcha eventos capaz de radicalizar em definitivo a desobediência às
estruturas de dominação na sociedade norte-americana, ou seja, a emergência de
uma música de caráter inovador que de imediato “adquiriu o valor de um
manifesto e o seu título o valor de um slogan”,
conforme assinalaram Philippe Carles e Jean-Louis Comolli em “Free Jazz – Black
Power”.
A
memória dessa semana de outubro de 1964 assentaria que nem uma luva nestes livro
e antologia da Soul Jazz em que se procura ilustrar reações em cadeia ao
ideário da exclusão. Veja-se como muitos dos que nela participaram logo se constituíram
em organismo através da Guilda dos Compositores de Jazz. E atente-se à declaração
de intenções que fizeram: “Elevar o estatuto social da música. Despertar nas
massas a ideia de que a música é essencial nas suas vidas. Proteger músicos e
compositores das atuais forças de exploração. Facultar o acesso à música. Criar
condições para que a música possa ser criada, ensaiada e apresentada.” Numa
Down Beat de maio de 1965, citada por Valerie Wilmer em “As Serious As Your
Life”, o principal ideólogo da Guilda, Bill Dixon, informava que recrutou músicos
brancos, por exemplo, porque, a seu ver: “estão a ser discriminados pelo
simples facto de tocarem jazz”.
Isto,
porque há certamente maneiras mais apelativas e elegantes de representar toda
esta problemática, e evocar o período em que cada ida a estúdio foi um comício
em prol das lutas anti-imperialistas que grassavam pelo globo, do que aquela que
o fundador da Soul Jazz elegeu, e que se parece resumir à evidência de que,
para uns, enquanto estatuto, a diferença começa e acaba na invariável e
instantânea realidade da cor da pele. O que não explica a omissão de Dixon das
presentes edições, mas, ficando-nos pelos seus associados, esclarece as ausências
de Michael Mantler, Burton Greene, Alan Silva, Roswell Rudd, John Tchicai ou
Paul e Carla Bley. Sobra a complicada tarefa de vislumbrar, então, no contexto
do livro, que outra coisa poderá em comum haver entre John Coltrane e George
Benson, digamos, ou entre Don Cherry e Jimmy Smith ou o Art Ensemble of Chicago
e George Duke. Talvez que uns tratavam de inúmeras solicitações às civilizações
africanas para impor uma nova ordem espiritual no mundo e outros reforçavam a
importância da independência económica dentro de fronteiras? Vá-se lá saber.
Ainda
assim, embora recorrendo a fotos de uma agência – o que implica uma visão exterior
ao próprio movimento, a partir de materiais encomendados por agentes ou
departamentos de promoção – eis o retrato de um tempo em que o jazz pôs a
descoberto aparelhos ideológicos de opressão, subverteu hierarquias estéticas e
culturais, rompeu com os seus traços mais pesadamente carregados de injustiças
e exprimiu algo tão próximo da vida quanto das aspirações dos seus executantes.
E mesmo se a história lhes foi ingrata, esse é um sonho que não morreu ontem ou
hoje, nem morrerá amanhã.
Sem comentários:
Enviar um comentário