Perdeu-se
a conta às vezes que foi editado e reeditado, revisto e aumentado, antologizado
e remasterizado. Dir-se-ia até que dele já se reconhecem as partículas de pó. O
que não impede que, sempre que dá à costa, deste espólio se fale como se de um
estranho objeto se tratasse, um pedaço de madeira lançado ao mar, originário
não se sabe de que época ou de que lugar, a que função se destinava ou que
sortilégios representa, se pela mão humana trabalhado, se pelos elementos
entalhado. Em “Blue Note Records: The Biography”, Richard Cook não faz por
menos: “Com Monk, a Blue Note entrou na sua fase moderna”, escreve. Há 65 anos
atrás, ouvi-lo era como admirar escultura tradicional africana numa galeria de
arte contemporânea: qualquer reação parecia simultaneamente possível e intolerável,
genuína e postiça, natural e artificial. Estão aqui os moldes para uma
subsequente vida de invenção: por ordem de comercialização, as primeiras
versões de ‘’Round Midnight’, ‘Well, You Needn’t’, ‘Off Minor’, ‘In Walked
Bud’, ‘Epistrophy’, ‘Ruby, My Dear’, ‘Evidence’, ‘Straight, No Chaser’,
‘Misterioso’ ou ‘Monk’s Mood’, tocadas como se tivessem sido originalmente
compostas num piano com teclas a menos, desnoveladas por um batalhão de
instrumentistas em luta contra a intuição (ouçam-se os takes alternativos). Curiosamente, nem todos questionavam Monk por
aquilo que ele dava ares de subtrair à música dos outros: numa resenha de 1963,
por exemplo, Philip Larkin dizia que nesses temas os acordes eram como uma mala
de viagem que mal se conseguia fechar de tão cheia. Mais que improvisação,
escuta-se um método. E a sua aprendizagem nunca terá fim.
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