É
fácil, na literatura: puxa-se do chavão do bildungsroman
e todos sabem ao que vão. É como deitar uma página de um diário à rua: a moral
pessoal ganha contornos didáticos, o mais íntimo anedotário prova-se pedagógico.
Se necessário, exploram-se as reservas de emoção de um povo inteiro em proveito
dos alegóricos êxtases formativos do indivíduo. No capítulo das antologias, não
se pode dizer que outra coisa se tenha passado na música deste século. Ou seja,
editoras como Vampisoul, Honest Jons, Soul Jazz, Soundway ou Analog Africa não
estão mesmo a fomentar um encontro entre extraviados fonogramas e as mais
avançadas técnicas de arquivologia empregues na sua conservação. Procedem de
modo muito mais correto: sem camuflar assimetrias reais e dispensando a
proteção da distância social, dedicam-se simplesmente à escuta daqueles que se
tentam conhecer a si próprios dentro de um labirinto de vinil. É o caso de
Lucas Silva, proponente da superação de anacronismos pela via dos colombianos Son
Palenque. O seu esforço e desespero, mas também o seu oportunismo, sintetiza-se
no subtítulo de uma compilação que organizou em 2002: “Visionary Black Music
from Underground Colombiafrica”. Entretanto, já Palenque de San Basilio foi
adotado pela UNESCO e já a Soundway editou “Palenque Palenque”. Mas só agora,
recorrendo ao melhor de LP lançados entre 1983 e 1986, em que figuram Michi
Sarmiento ou Abelardo Carbonó, se forma, com laivos de sessão espírita, uma memorável
apresentação deste preclaro conjunto que anunciava de onde vinha antes ainda de
se perceber ao que soava: ao abismo histórico que para sempre une e separa África
e América do Sul.
Sem comentários:
Enviar um comentário