A Gustavo “El Cuchi” Leguizamón (1917-2000),
docente, poeta, compositor e famoso tribuno argentino, devem-se criações tão indecentemente
idiomáticas quanto ‘Chacarera del expediente’, com a figura do comissário de
polícia corrupto, do prisioneiro inocente e do advogado negligente numa
conversa tão surda que nem Deus a ouve. Ou ‘Coplas de Tata Dios’, também essa,
entre outras, denunciando a tirania do messianismo religioso. Estão ambas aqui,
embora à primeira vista descontextualizadas. Afinal, o guitarrista Pablo
Márquez dispensa a palavra. Mas, tal como fez há uns anos Carlos Martínez com originais
de Atahualpa Yupanqui, a verdade é que nem por isso deixa de prosseguir por
sulcos abertos pelo buril do verbo. Dir-se-ia uma atitude herdada da sala de
aulas: aos 13 anos, Márquez teve Leguizamón como professor de História sem por
um segundo suspeitar que se tratava do autor de tantas das suas zambas preferidas; quando finalmente o
descobriu, terá sido como se nunca o tivesse ignorado, tão indistinguíveis lhe
pareceram então pedagogia e poesia. De igual modo crê agora na mensagem sem a
muleta da métrica. É um gesto de independência que o homenageado apreciaria, e
um que lhe permite prescindir de um programa que, sob outra perspetiva, teria
forçosamente de incluir canções como ‘Balderrama’, ‘La pomeña’, ‘La arenosa’, ‘Chacarera
del Chacho’ ou ‘Lloraré’, daquelas que se colaram ao longo dos anos à voz de Mercedes
Sosa, por exemplo. Mas, melhor ainda só mesmo um pantagruélico título que, evocando
o Bach de “O Cravo Bem Temperado”, se pode traduzir por “O Porco Bem
Temperado”.
Sem comentários:
Enviar um comentário