Entre tantos desencontros, verifica-se sempre o
fluxo da vida nestas gravações em trio de Mario Pavone. Como a expressão
inevitável de uma inteligência muito inoportuna. E não será por –
contrariamente a Picasso – parecer evoluir o contrabaixista da ‘fase rosa’ para
o ‘período azul’ (agora ao lado do pianista Matt Mitchell e do baterista
Tyshawn Sorey, compare-se este “Blue Dialect” com o exuberante “Arc Trio”, seu
predecessor, gravado esse com Craig Taborn e Gerald Cleaver), que a Clean Feed
iria deixar de afiambrar uma fatia da sua obra. É Pedro Costa, diretor e
produtor executivo da editora lisboeta, que o relembra quando, em notas de
apresentação, sugere estar há quinze anos à espera deste extraordinário disco. Mais
que o reconhecimento de uma contingência, dir-se-ia a generosa confissão de uma
necessidade. Uma extração a um carinho antigo, irredutível, eloquente, radical,
só vagamente embaraçado por tudo quanto o inibe. Quem o conseguir esclarecer verá
explicada a relação entre editores e editados. Tal como logo saberá ao que vem
quem neste trio discernir uma instintiva repulsa face à força de qualquer
tutela, não obstante a delicadeza com que, em termos estruturais, se acomoda a
sua subordinação à figura de um líder. Porque aqui, distante da hierarquia e do
arcaísmo, quiçá mais próximo da alquimia, cedo se deteta a maresia daquela
música, a três ou não, que, no jazz, permitiu a libertação da tipologia do trio,
ou de outra qualquer, precisamente pela alforria reclamada pelos contrabaixistas
– pelos avanços culturais, e não somente comportamentais, de Mingus e LaFaro ou
de Swallow e Haden, mas também por uma possível perceção íntima do instrumento
que tocavam. A emancipação de um dialeto que nunca se sabe de cor, discreto e
discursivo em simultâneo, que rouba o nome às coisas e que, talvez por isso
mesmo, se torna mais fluente em todas. Um dialeto tingido de azul.
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