[Albert Heath “Kwanza (The First)”; Barry Harris “Plays
Tadd Dameron”; Jimmy Heath “Picture
of Heath”; Al Cohn & Jimmy
Rowles “Heavy Love”; Sam Most “From the Attic of My Mind”; Al Cohn, Billy
Mitchell, Dolo Coker, Leroy Vinnegar, Frank Butler “Night Flight to Dakar” + “Xanadu
in Africa”]
Dentro
da cinta murada de Xanadu, segundo Marco Polo, um faustoso palácio de mármore envolvia-se
em mantos frondosos e lençóis de água fresca. Recheada de riquezas, era a
capital de verão de Kublai Khan e o mais literal dos modelos históricos para
quem crê que a casa de um homem é o seu castelo. De modo crucial, para Don Schlitten,
também assim que se chamava a mansão de Charles Foster Kane em “O Mundo a Seus
Pés”, de Orson Welles. “Por isso, tem sido um nome que associamos à beleza
artística e à felicidade”, diz agora o produtor a Zev Feldman, da Elemental,
lembrando o batismo da empresa que fundou em meados dos anos 70 e, de certa maneira,
abençoando a corrente operação de resgate. Porque a verdade é que parte deste património
estava em risco de se perder. Aliás, sem entrar em pormenores, Feldman conta como
muitas das matrizes fonográficas e fotográficas da editora se destruíram à
passagem do furacão Sandy, em 2012.
Era
uma iniciativa há muito devida. Afinal, no mercado discográfico norte-americano
do período, a par de contemporâneas como a Mainstream ou a Muse – com a qual
Schlitten colaborou –, a Xanadu revelou-se um destino fundamental para o jazz
que fez a creche no bebop. De todas, pese embora Peter Sprague, foi até a que menos
pôs o pé no esoterismo e a que mais resistiu a modas, com Sam Noto, Sonny
Criss, Al Cohn, Charles McPherson, Jimmy Raney, Barry Harris ou Sam Most firmando-lhe
a reputação. O flautista, por exemplo, conforme confessava em “Sam Most, Jazz
Flutist”, um documentário de 2001, tinha já “caído em esquecimento”. Só de
originais, “From the Attic of My Mind”, de 1978, é um exponencial exercício de controlo
idiomático. No filme declarava ter telefonado a Schlitten averiguando acerca da
disponibilidade em CD destes discos, tendo-lhe respondido o produtor: “Vivamos
nós o suficiente para o ver”.
Como
Most, também Al Cohn e Jimmy Rowles se foram antes da reedição de “Heavy Love”,
uma das pérolas do catálogo. Se “As Cidades Invisíveis”, de Italo Calvino, um livro
baseado nas conversas entre Polo e Khan, representa em diálogo a arquitetura da
imaginação, estes duetos de 1977 não fazem por menos. Com a medida certa de escuro
e a dose exata de claro, outro clássico na Xanadu é a investida de Barry Harris
na dameronia, de 1975, cumpriam-se então
dez anos sobre a morte do dedicatário. Trata-se de uma arte em que tudo se
transforma, afirmava Jimmy Heath. O seu “Picture of Heath”, de 1975, é disso
mesmo um retrato, ao regressar ao passado e ao incluir um antitético mas não
menos holístico ‘Body and Soul’, em que a parte do corpo é tocada ao saxofone
soprano e a da alma no tenor. “Kwanza”, do caçula dos Heath, em 1973, narrava
uma estória dentro de outra e tinha a mente em África, ainda que “Tootie” tornasse
de uma temporada europeia. Até solo africano conduziu Schlitten uma comitiva em
1980, resultando daí um par de álbuns que neste lote se incluem por razões
puramente simbólicas. É longo o caminho para Xanadu. Venham as próximas paragens.
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