Borodin Quartet / The Dmitri Ensemble, Graham Ross (d)
A
cena passa-se no Teatro Bolshoi, em Moscovo, a 26 de janeiro de 1936, durante uma
récita de “Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk”. Shostakovich não ignora quem do
outro lado da sala se esconde por detrás de uma cortina, mas não ousa
dirigir-lhe o olhar. Nem mesmo quando, mal a ópera acabou, um rumor de veludo
denuncia o repentino desocupar do camarote. Um cominativo editorial no Pravda,
dois dias depois, viria a confirmar-lhe aquilo a que não quis assistir com os seus
próprios olhos: Estaline não gostou do que ouviu. Logo aí, dir-se-ia ter ficado
traçado o destino do compositor. Quanto muito, não se suspeitaria que, anos
mais tarde, seria a sua “Leninegrado” que altifalantes na frente de batalha
lançariam sobre barricadas nazis. Sucessivamente denunciado e reabilitado pelo
regime soviético, até que, já na altura de Khrushchev, se deixou absorver de
vez pelo aparelho, Dmitri Shostakovich (1906-75) criou uma obra recheada de
senhas e contrassenhas, cifrada, críptica. Partindo dos anos 30 e chegando aos
70, com os quartetos de cordas Nº1 e Nº14, os atuais membros do Quarteto
Borodin – que, na sua formação inicial, incluía Rudolf Barshai – sabem sujeitar-se
à ambiguidade para, enfim, no Nº8, de 1960, se revelarem exemplarmente acutilantes naquelas
subterrâneas melodias que anunciam canções que se ouvirão jamais ou conduzindo
cada fuga a um banco de nevoeiro. Quando o adaptou para orquestra de câmara (no
CD da Harmonia Mundi está igualmente a sua versão do quarteto Nº1), também Barshai
lhe reforçou traços autobiográficos, que, de modo inteligente, aqui suavemente se
disfarçam.
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