Como
emblema, não está nada mal: “O homem que transformou o ferro em vento.” Foi
assim que num livrinho de crónicas e curiosidades chamado “Futebol ao Sol e à
Sombra” Eduardo Galeano caracterizou Eduardo Chillida, escultor e antigo guarda-redes:
“Ele trabalha com materiais pesados – desses que se afundam na terra – mas as
suas mãos poderosas atiram ao ar o ferro e o cimento, que, voando, descobrem
outros espaços e criam outras dimensões.”De facto, a descrição daqueles arremessos de
meio-campo do iraniano Alireza Beiranvand não seria mais certeira. Isto, claro,
tendo em mente a conclusão do escritor uruguaio: “Antes, ele fazia o mesmo com
o corpo a jogar futebol.” Pois, agora, com este título, é o pianista Alexander
Hawkins que indicia admirar os deuses ferreiros, os alquimistas e os inúmeros
paradoxos do ludopédio – afinal, quando lhe perguntaram qual o trio de
adversários que desejaria confrontar num jogo de tabuleiro, numa entrevista à
“Narc”, Hawkins começou por explicar que Garrincha só não era opção pelo
simples facto de não saber falar português (e que do mundo dos vivos não
hesitaria em escolher Martha Argerich, Anthony Braxton e Maurizio Pollini,
ainda que as casas de apostas estivessem contra si, presume-se).
Como de
costume, é tudo muitíssimo revelador – aliás, em depoimentos praticamente junguianos
acerca deste “Iron Into Wind” em que anda à cata da “função transcendental”,
além de confessar a admiração por Galeano e de explicar que visitou a retrospetiva
de Chillida no Rijksmuseum, Hawkins adianta o quanto se deixou influenciar por
figuras como Janácek, Arturo Benedetti Michelangeli e Mal Waldron, gente em que
valoriza a “aversão ao histrionismo e o desejo de extrair o máximo possível a
cada nota musical”. Também tem “ouvido mais os seus contemporâneos, como Eve
Risser, Kaja Draksler, Kris Davis ou Craig Taborn”, e tem-no conseguido fazer
de modo a sentir-se “mais inspirado do que intimidado” – como concluiu em
conversa com a “LondonJazz News”, os seus heróis são “incrivelmente poupados”.
O que explica este seu prodigioso disco em que não há uma nota a mais nem a
menos – é que, como diria Chillida, “a arte pode ser de mil maneiras, mas é de
uma só”.
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