Há uns
bons dez anos, numa troca de correspondência, perguntava a Ran Blake acerca do
LP que gravou com Jaki Byard, “Improvisations” (Soul Note, 1982), uma das mais
extraordinárias entradas nesta estranha categoria. “Recordo-me de algumas sensações”,
respondia. “Nada de muito concreto, até porque a tendência será concentrarmo-nos
só nos nossos próprios defeitos. Mas, quanto a compromissos, posso jurar-lhe
que me apercebi a certa altura que o Byard estava a fazer de Blake muito bem e que
o Blake não estava lá a ser muito convincente a fazer de Byard!” Pois, aqui, em
“The Transitory Poems”, nestoutro dueto de pianos (que não duelo), só a custo, e
a espaços, se distinguem um do outro Vijay Iyer e Craig Taborn, tamanha a
empatia e a civilidade entre os dois – por sinal, qualidades dispensadas por uma
das suas maiores fontes de inspiração, Cecil Taylor, quando aceitou semelhante
desafio e tocou ao lado de Mary Lou Williams num estado de excessiva baixeza
moral (“Embraced” – Pablo, 1978). Isto, porque Iyer e Taborn dedicam um tema a
Taylor e, como é óbvio, porque administram o batismo deste seu sacramento
conjunto a partir de uma frase profundamente hipocrática desse seu mestre: “Somos
poemas transitórios.”
Aliás, com mais uma dedicatória a Muhal Richard Abrams e
outra ainda a Geri Allen – com Cecil, os três recentemente desaparecidos – não
há como ignorar que, de facto, como sentenciou Hipócrates, vita brevis, ars
longa. Por vezes longuíssima, conceda-se. Este registo da atuação de Vijay
e Craig na Academia de Música Franz Liszt, em Budapeste, de há coisa de um ano,
tem cerca de 75 minutos… E nem foi preciso sacarem do “Concerto
Pathétique”! No fundo, não se pode afirmar que se curvem perante a indulgência
rapsódica dos seus mais românticos antecessores – da literatura específica, se
tanto, evocam logo a abrir as paisagens baças de “Sonata para Dois Pianos”, de
Poulenc, ou, quando observam a etiqueta do contraponto, as da obra homónima com
que Stravinsky anunciou o minimalismo. É que introduzem suficiente código
nestas suas improvisações para produzir uma espécie de Wikipédia pianística, embora
pareçam mais interessados em ocultar ligações do que em pô-las às claras. A isso,
em particular, chamou Taylor “assumir um compromisso com a magia”. Estes
assinam por baixo.
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