Trocávamos
impressões após a sua atuação no festival Gnaoua, de Essaouira, em meados de
junho de 2014, tinha o Ngoni Ba dividido palco com o mâalem de Hamid El Kasri. Estava radiante, Bassekou, e, de tanto se
rir, o intervalo que exibe na dentadura entre os incisivos centrais superiores
parecia que ia ficando maior, como uma falha geológica. De espetada de frango e
gasosa na mão, pergunto-lhe se não estou a incorrer numa imperdoável quebra de
protocolo. “Não, não… Esteja à vontade. Além de que o ramadão é só lá mais para
o fim do mês”, responde, num francês algo desnasalizado, aparentado
prosodicamente daqueloutro que se fala na região do Midi. “Mas não se aproxime
muito do El Kasri, que ainda lhe suja a jelaba!” Todo de branco, o marroquino desdobrava-se
em salamaleques e destacava-se na multidão como quem recebe um prémio numa
cerimónia e se prepara para ir dar um discurso de aceitação. “Sinto-me muito
bem entre os árabes”, desabafa subitamente Bassekou. “Sabe, se isto fosse
noutra altura, nós até podíamos ir numa caravana até casa. Mas, agora, no Mali,
na outra ponta desta estrada, estão os fundamentalistas!”
Aproveito para
comentar que a mais antiga descrição do alaúde que Bassekou toca foi feita em
1325 por al-Umari e que a primeira documentação da sua casta profissional – a
dos jali, ou jeli – surgiu no relato das viagens do magrebino Ibn Battuta, que
visitou o Império do Mali em 1352 e que garantiu que o caminho até lá era
seguríssimo. “E é assim que deveria ser”, exclama Bassekou. “Estamos há séculos
a trabalhar pela paz. Basta que nos ouçam!” Balbucio qualquer coisa acerca das
plateias ocidentais não perceberem patavina daquilo que os griôs cantam mas ele
estava embalado e tinha resposta absolutamente para tudo: “Qual é o problema?
Não podem ouvir com os corações?” Veio-me à lembrança a conversa ao escutar ‘Kanougnon’,
o dueto com o marroquino Majid Bekkas que abre “Miri”. De facto, o álbum espeta
uma lança no coração daqueles cínicos a quem o bem alheio só traz desgostos e
dissabores. Talvez por isso tenha ido gravá-lo a casa, rodeado pela família,
por amigos e por gente que já nem está entre nós, ali, num dos vilarejos de
Ségou onde nasceram os blues.
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