23 de março de 2019

Ryo Fukui “Scenery” (We Release Jazz, re. 2018)


Em 1976, há um par de momentos verdadeiramente transcendentes no que diz respeito à história do jazz no Japão: o primeiro dá-se quando a big band coliderada por Toshiko Akiyoshi convocou em disco o teatro Noh, em ‘Minamata’ (o lado B de “Insights”), o segundo quando Barry Harris o manumitiu, através de ‘Fukai Aijo’ (de “Live in Tokyo”). Ainda assim, cada qual à sua maneira, não deixam de ser expressões de um classicismo absolutamente anacrónico. Afinal, o jazz andava com a cabeça na lua: John McLaughlin assumia-se ‘Planetary Citizen’, Jean-Luc Ponty dizia-se ‘Wandering on the Milky Way’, Norman Connors anunciava ‘You are my Starship’, Alphonso Johnson perseguia “Moonshadows”, Harvey Mason declarava-se “Earthmover” e Charles Earland compunha ‘Intergalactic Love Song’. De facto, nesse ano, e de modo a sustentar a tese de que se tratava de uma forma de arte comercialmente viável, a realidade do jazz foi-se aproximando da ficção científica – ou da ‘Science Funktion’, como lhe chamou Donald Byrd. Um pianista como Lonnie Liston Smith tinha uma banda chamada Cosmic Echoes, em que tocava coisas como funky electronic textures ou electronic colorations, um saxofonista como Sonny Fortune, em “Waves of Dreams”, concedia solos ao Minimoog ou ao Arp Odyssey, um organista como Johnny Hammond intitulava-se um ‘Cosmic Voyager’, um contrabaixista como Miroslav Vitous ensaiava uma ‘Synthesizer’s Dance’ com Herbie Hancock como seu par. 

Era tudo de tal maneira épico que até o romance de cavalaria voltou a estar na moda: dois dos títulos de maior sucesso no período foram “Those Southern Knights”, dos Crusaders, e “Romantic Warriors”, dos Return to Forever. O jazz favorecia o contrabando de qualquer estilo e, por coincidência, os Weather Report lançavam “Black Market”. Para além da sua insularidade natural, serve isto para sublinhar o quanto “Scenery” destoava dos usos da época e também para confirmar que editar um álbum de standards neste mercado era como preservá-lo em âmbar à nascença. Aliás, quando Ryo Fukui faleceu, faz agora três anos, não fazia ideia que cairia postumamente nas bocas do mundo – logo ele, que se diria habituado a um estatuto provinciano, gerindo há duas décadas um clube de jazz em Hokkaido. Mas eis nova prensagem deste seu LP de estreia, levando colecionadores e cronistas a reconhecer que houve outro momento transcendente no que diz respeito à história do jazz no Japão em 1976 e a admitir que nenhum retrato global dessa era ficará completo sem ele.

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