Ora aí está um programa feito à medida dos leitores
do “The New European”, aquela pobre gente que, perto da fuga dissociativa,
decerto, se conta entre os cerca de 5 milhões de peticionários que pretendem a
revogação do Artigo 50. De facto, é fácil imaginá-los à beira do Canal da
Mancha como se estivessem nas margens do Tigre e do Eufrates – aliás, perdeu um
ótimo negócio, quem, no ano passado, se eximiu de lançar no mercado uma edição
comemorativa do quadragésimo aniversário de ‘Rivers of Babylon’, dos Boney M.,
direcionada exatamente aos opositores do Brexit. Pois, então, em jeito de
compensação, eis que se revisita a mesmíssima metáfora que serviu ao Camões daquela
redondilha que diz “Sôbolos rios que vão/ Por Babylonia, me achei/ Onde sentado
chorei/ As lembranças de Sião”. No caso, através das jeremiadas de John Dowland
(1563-1626), William Byrd (c. 1540-1623), Richard Dering (c. 1580-1630), Peter
Philips (c. 1560-1628) ou Robert White (c. 1538-1574), quando se assinalavam os
2000 anos da queda de Jerusalém às mãos de Nabucodonosor e não lhes saía da
cabeça o capítulo 2, versículo 22, do “Êxodo” – é que, católicos num país impositivamente
protestante, sentiam-se realmente como “um estranho numa terra estranha”.
Daí,
também, as contínuas evocações do Salmo 137, de o “Livro das Lamentações”,
suspensas, por um lado, entre a resignação e, por outro, a resiliência: do
“Exilado para sempre/ Deixai-me chorar”, de “Flow my Tears” (Dowland), ao “Se
me esquecer de ti, Jerusalém/ Fique ressequida a minha mão direita!”, de “Quomodo
cantabimus” (Byrd). Inclusivamente, este último, em réplica a um moteto que
chegava do continente, saído da pena de Philippe de Monte (1521-1603), um
compositor que havia passado por Inglaterra durante o reinado de Maria I,
quando se reverteram as reformas contra o catolicismo, e que deixava no ar a
questão: “Como entoar a canção do Senhor em terra estranha?”. Agora, a naturalíssima
interpretação do Stile Antico lembra uma frase de o “Livro do Desassossego”, de
Pessoa: “Sentir tudo isto em cada sentimento, não será isto ser estrangeiro na
própria alma, exilado nas próprias sensações?”.
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