Dir-se-ia marcada pela espera, esta música. Mas nem
mesmo Brahem parece saber do quê. “Talvez por essa razão tenha ido buscar uma
palavra em desuso”, confessa, ao Expresso, em Munique, há coisa de um mês, aludindo
ao título do seu novo CD. Toma gosto ao sal dos conceitos e conclui que, para
si, mais do que qualquer intuito memorialista, e porventura agindo de acordo
com um impulso desprovido de fundamento etimológico, o termo souvenance evoca “algo de mais vago”,
prossegue, “a ideia de uma experiência que simplesmente impregna.” Ao longo da
conversa, mantida por ocasião da estreia europeia desta obra para alaúde,
quarteto e orquestra de cordas que Brahem levará à Gulbenkian, em Lisboa, dia
28 de abril, essa “experiência” ganhará muitos nomes, mas jamais deixará de
representar um essencial desfasamento em relação a factos concretos. É uma
forma de se defender dos artifícios de que a realidade se compõe e, em
simultâneo, de desafiá-los. Porque, no fundo, embora fale neste disco dos
“extraordinários eventos que abalaram a vida de milhões de indivíduos”, Brahem
resiste à politização. Sim, há por aqui temas com designações como ‘Kasserine’,
‘January’ ou ‘Improbable Day’ que remetem para a alvorada da Primavera Árabe e
subsequente queda do regime de Ben Ali, na sua Tunísia natal, mas a música,
essa, não deixa de falar um idioma muito particular, que, com efeito, é exclusivamente
praticado por aquele que a compôs. Está, assim, em permanente enunciação esta
pequena obra-prima de espírito e estilo: da vida, reúne o consolo e o
desconsolo, a ilusão e a desilusão, mas, como é costume com Brahem, carrega a
mágoa rebuçada em melancolia e desembaraça-se da rede de seriedade que ele
próprio vai lançando quando delicadamente canta como, enquanto espera, junto ao
mar canta o pescador.
Sem comentários:
Enviar um comentário