Não é disso que fala o título desta
antologia. Mas, inversamente proporcional ao vínculo com o mais indulgente
ecletismo patrocinado pelos que hoje lhe conduzem os destinos, o descomprometimento
que da análise dos seus conteúdos se depreende parece ser, antes de mais, com a
própria biografia original da Blue Note. Porque nem era assim tão absurdo o que
se pretendia – celebrar o virtual 75º aniversário de uma das mais emblemáticas chancelas
da história do jazz por meio da evocação de 75 dos seus singles –, havendo, até, uma forma de o alcançar que se diria irrepreensível:
coligir em exclusivo material lançado até 1951, isto é, correspondente ao
período em que o single se provou de
facto o inevitável fonograma de que a editora se socorreu. Mas não, ao
aventurar-se de modo predominante pela era moderna – e inclusivamente
contemporânea – das suas produções, isto é, após Alfred Lion e Frank Wolff
terem dado início ao fabrico dos seus primeiros LP, e já depois da dispersão do
seu catálogo por grandes conglomerados, o retrato que aqui se propõe é, acima
de tudo, um que destrói a mais iconográfica das suas identidades mediáticas: aquela
que se associa aos definitivos testemunhos de Wayne Shorter, Bobby Hutcherson,
Andrew Hill, Herbie Nichols, Larry Young, Tony Williams, Don Cherry, Sam
Rivers, Grachan Moncur III, Cecil Taylor ou Eric Dolphy (ainda que apenas por “Out
to Lunch”), todos daqui ausentes porque, lá está, e como admitia Richard Cook
em “Blue Note Records: The Biography”, os seus “cogentes programas de música”
eram essencialmente consagrados à longa duração. Ou seja, a ativação do single enquanto dispositivo comercial
sujeitava-se exatamente às convenções de mercado que, no geral, a Blue Note
procurava contrariar. Aliás, a ambivalência que as designações “Uncompromising
Expression” e “The Singles Collection” contiguamente acarretam já é, de si, desconcertante:
invoca-se a mais antiga declaração de princípios dos fundadores da Blue Note (uma
ação pensada “para favorecer, sem qualquer compromisso, a expressão do hot jazz e do swing”, traduzidos numa “manifestação social e musical” em que
interessa reconhecer “o seu impulso e não os seus adornos comerciais e
sensacionalistas”, escreviam eles em 1939) para, precisamente através do
formato em que a indústria mais homogeneizou essa cultura e, por isso, privilegiando
o que de mais formulário, oportunista e redutor veio a editora a abrigar, logo promover
uma recusa dos seus valores. Não é isso o revisionismo?
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