Por arrasto invocando o espírito de Doum, há uma oração a
Cosme e Damião que fala do “poder de aniquilar qualquer efeito negativo de
causas decorrentes do passado e presente”. Nessa fé batizado, outra coisa não
propunha Dom Um (1925-2005) sempre que nas baquetas pegava, projetando uma
música à altura dos seus oragos, desses santos que no altar do seu nome possuíam
textual domicílio. Não exigia maior utopia do que aquela que pressupunha um
Brasil para todos, uma América do Sul sem defeitos, invulnerável aos muitos
desgostos da sociedade moderna. E, no entanto, talvez por acompanhar de perto
acontecimentos que em tudo contrariavam esse seu desejo mais profundo, há
poucos discos mais intransigentes do que aqueles que produziu no ano do Golpe
Militar – um para si, outro para Flora Purim, de que era marido – antes de
partir para os Estados-Unidos como quem foge à prisão. Para trás ficava a
aventura no jazz praticamente geométrico dos Copa Trio, Copa 5 ou Trio 3D. De
momento, concentrava-se na mistificação a que recorria para sobreviver ao lado
de Sérgio Mendes e Astrud Gilberto: a de que o sotaque brasileiro era uma
afetação desligada da ideia de progresso. Mas bastou um par de anos ao serviço
dos Weather Report, formação que rejeitava a própria hipótese de neutralidade,
e, por conseguinte, estranhar-se mais ainda de si mesmo, para se tornar a
encontrar. Nesse período, entre 1972 e 1973, as suas excelsas gravações para a
Muse, agora reunidas, remetem para um local em que vicejava uma espécie de
avesso do épico, edificado por nativos de sexo eternamente exposto, endoados
por muitos bruxedos mas enredados numa lúcida luxúria. Consigo: Dom Salvador,
João Donato, Sivuca, Amaury Tristão, Joe Beck, Lloyd McNeil, Jerry Dodgion, Stanley
Clarke e as almas dos que a sua música curava.
Sem comentários:
Enviar um comentário