Em finais da década de 60
consagrada ao fabuloso cavaleiro andante de La Mancha, através de “Windmill
Tilter”, dir-se-ia eminentemente simbólica a estreia de Kenny Wheeler em nome
próprio. Já aí, por exemplo, conquanto inserida num dispositivo – o da
orquestra de John Dankworth – de inequívoca ambiguidade autoral, se
identificava aquela renúncia a constrangimentos formais e a adesão ao absoluto poético
pelos quais se daria no futuro o compositor de origem canadiana a conhecer. Mas
também, e fundamentalmente, ficava patente na sua execução um tom tingido pela
melancolia que, para melhor a suportar, parecia filtrar determinados aspetos da
realidade, preferindo insólitas emanações de um domínio de fantasia
frequentemente sintetizado pela adesão textual ao mundo da canção. Chama-se
“Songs for Quintet” esta edição póstuma e, em 73, denominou-se “Song for
Someone” o seu primeiro postulado mais idiomático. Nunca servirão de emblema
para a mesma coisa mas com Quixote possuía também em comum a argúcia, que a
honra e a generosidade temperavam, e a angústia, que não dava mostras de
permitir que o arreliasse em demasia. Mas não se dispunha tão facilmente ao
registo da farsa, se essa não se definir pela tomada de consciência de que nem
da sua própria história consegue alguém ser o herói. Kenny Wheeler teve um
final de vida marcado por problemas de saúde. Campanhas de angariação de fundos
– algumas beneficiando a sua viúva, Doreen – surgiram no verão passado e povoaram
o horizonte de moinhos de vento. Viria, adoentado, a falecer em setembro mas,
antes, passou com Stan Sulzmann, John Parricelli, Chris Laurence e Martin France
pelos estúdios Abbey Road e acrescentou umas linhas ao seu testamento. Ao
fliscorne traz à memória a Billie Holiday de 1959, mas não está assim tão só:
lembra antes o dramaturgo que, já diminuído, emenda a pontuação na única das
suas peças que não verá estrear.
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