Anna
Gourari (p)
Disse-lhe um dia um amigo: “Estás a
fugir da História, e a História não perdoa: ninguém te compreenderá quando
voltares”. Pelo menos assim o recordava Prokofiev nas suas memórias, lembrando
ainda: “A Revolução de Fevereiro deu comigo em Petrogrado e recebia-a de braços
abertos. Andava pelas ruas durante os combates, escondendo-me sempre que os
tiroteios se aproximavam em demasia. Escrevi então a décima nona das ‘Visões
Fugitivas’, refletindo parte das minhas impressões do momento.” Em termos da
sua cinética, outro tanto não sugere o andamento com que a caracterizou: presto
agitatissimo e molto accentuato. Ouve-se e adivinham-se projéteis
extraviados, disparos em sucessão, sirenes, explosões e a desorientação que
tudo isso causa. É igualmente dos poucos instantes na sua leitura da obra em
que Anna Gourari não toca como uma auguratriz em transe. E é tão vaga, talvez,
por tão bem conhecer o texto que a inspirou, escrito por Konstantin Balmont e
sintetizado nestas linhas: “Da sabedoria, nada sei – deixo isso para outros/
Limito-me a pôr em verso estas visões fugitivas”. Aqui, aterrada pela efemeridade
que só a poesia torna suportável, a pianista parece flutuar num sonho de que
não quer acordar jamais. E, não se esfumando como de costume, as miniaturas de
Prokofiev – compostas entre 1915 e 1917, no período dos seus iniciais
opúsculos, e terminadas a um ano de partir para os EUA – permanecem no ar de maneira
praticamente atmosférica. Uma ambiência que, neste seu undécimo disco, Gourari
reforça pela inclusão de “Conto em Fá menor”, de Medtner, antes de concluir com
a “Sonata Nº 3 em Si menor”, de Chopin, que, na realidade, precedendo as outras
duas peças, dá mostras de ter origem na mesmíssima coisa: naquela elusiva música
que um compositor só vislumbra quando doutra se ocupa.
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