Ensemble Correspondances, Sébastien Daucé (d)
Não
se trata propriamente de um compositor bafejado pela fortuna fonográfica, este
Étienne Moulinié (1599-1676), quanto muito figurando em antologias consagradas
àqueles airs de cour e airs de ballets que se ouvem como uma
introdução à etiqueta cortesã de um mundo pré-Versalhes. A propósito, a par de
Antoine Boësset, François de Chancy ou Louis Constantin – aqui simbolicamente
presentes, conquanto a sua marca pareça feita por contraste – dá-se com o seu
nome de forma casual em representações do alvor do barroco francês que procurem
afastar a sombra de Lully. Dir-se-ia até possuir a vagueza própria dos períodos
de transição, a sua obra, de que deu mostras de adquirir consciência
precisamente na introdução da sua testamental “Mélanges de sujets chrétiens, cantiques, litanies et motets, mis en musique
à 2, 3, 4 et 5 parties, avec un basse continue” – que, em 1658, dedicou a
Margarida de Lorena, segundo casamento do seu patrono, Gastão, Duque d’Orleães
– quando escreveu: “No que concerne ao meu peculiar modo de compor, sinto-me
obrigado a observar que os mais arrojados dos meus gestos podem afigurar-se algo
licenciosos aos olhos daqueles que preferem a austeridade da maneira antiga
face aos prazeres da nova.” Aliás, escutar esta seleção de algumas das suas
páginas – cujo texto, compósito, não deixa de surpreender – é como subitamente
encontrar a tabuleta que aponta o caminho de Charpentier, Marais, François
Couperin e Rameau, ainda que num quadro de paradoxal puritanismo e desarmante
sutileza; longe da corte, e das suas tóxicas relações, é como viver olhando os
lírios do campo.
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